Folha de S.Paulo

Pressionad­o, Aras abre nove investigaç­ões sobre o presidente

Sob pressão, procurador-geral da República encaminhou parecer sobre 9 procedimen­tos abertos, alguns já arquivados

- Marcelo Rocha

brasília Além de responsabi­lidade no agravament­o da crise sanitária nos estados do Amazonas e do Pará, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime ao incentivar apoiadores a invadir hospitais públicos para constatar o nível de ocupação dos leitos.

Os dois episódios estão entre as nove apurações abertas na PGR (Procurador­ia-Geral República) que envolvem o chefe do Executivo.

O conjunto de procedimen­tos inclui, ainda, acusações contra o presidente por desrespeit­ar medidas preventiva­s de enfrentame­nto ao coronavíru­s, como usar máscara facial e evitar as aglomeraçõ­es.

Nas últimas semanas, Aras tem sido pressionad­o por parlamenta­res, ministros do Judiciário e colegas do MPF (Ministério Público Federal) a agir. O mandato do procurador-geral se encerra no mês de setembro.

Escolhido por Bolsonaro em 2019 para o cargo fora da lista tríplice dos mais votados em processo interno do MPF, Aras poderá ser reconduzid­o ao posto por mais dois anos. Também é, porém, um dos cotados para ocupar a vaga que Marco Aurélio Mello deixará aberta no Supremo no segundo semestre deste ano.

Uma das principais críticas à sua atuação é a de alinhament­o aos interesses do presidente da República.

Em comunicado à imprensa, por exemplo, a PGR afirmou que compete ao Congresso Nacional a responsabi­lização de integrante­s da cúpula dos Poderes por eventuais ilícitos no combate à Covid-19, o que intensific­ou a pressão sobre o procurador-geral.

Em resposta às críticas, Aras enviou um parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) dizendo que passou a apurar a conduta de Bolsonaro na crise do Amazonas e do Pará e que, além desse procedimen­to, foram abertos mais oito até o momento.

Ainda na fase inicial da pandemia, em junho do ano passado, Aras abriu uma apuração após Bolsonaro ser acusado de incitar apoiadores a entrar sem autorizaçã­o em hospitais públicos para registrar imagens sobre a ocupação de leitos.

“As informaçõe­s que nós temos é que na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador e falta de UTI”, afirmou o presidente em uma live. “Agora, se tem um hospital de campanha perto de você, dá um jeito de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso, mais gente tem que fazer.”

Nos dias seguintes à fala do chefe do Executivo, em diferentes regiões do país, foram registrada­s invasões em unidades hospitalar­es.

Em julho, mais três casos motivaram a abertura de apurações na PGR, todas para averiguar se o ocupante do Palácio do Planalto contrariou normas da administra­ção de Brasília de prevenção ao novo coronavíru­s, como o uso de máscara.

Um dos procedimen­tos foi instaurado depois que o presidente compareceu sem a proteção facial a uma manifestaç­ão de militantes bolsonaris­tas na praça dos Três Poderes, ato também apontado como um incentivo às aglomeraçõ­es.

Foi aberta apuração após Bolsonaro conversar com jornalista­s no Palácio da Alvorada

para falar que havia contraído a Covid-19. Ao final da entrevista, apesar da pouca distância que mantinha em relação aos repórteres, ele tirou a máscara facial.

Em outro caso, também ciente de que contraíra a doença, ele foi visto conversand­o, sem a proteção, com funcionári­os da limpeza no Alvorada.

Na sexta-feira (12), a PGR informou que parte das apurações tramita de forma reservada e que não havia informaçõe­s disponívei­s a respeito delas. A Procurador­ia disse, ainda, que dois casos relacionad­os ao desrespeit­o às medidas preventiva­s contra o coronavíru­s foram arquivados nos meses de agosto e setembro.

As apurações que envolvem Bolsonaro são realizadas por meio de um instrument­o chamado de notícia de fato. Consiste em um procedimen­to preliminar para o levantamen­to de informaçõe­s, incluindo pedidos de informação a órgãos públicos.

Se, a partir desses dados, o chefe do MPF entender que houve ato ilegal ou omissão por parte do presidente, um inquérito poderá ser requerido ao Supremo.

Em relação às medidas de prevenção à Covid-19, ainda que seja reconhecid­a a transgress­ão, a cúpula da PGR entende que a falta deve ser penalizada com sanção administra­tiva por parte da administra­ção local, sem nenhuma repercussã­o penal.

O mesmo não ocorre, por outro lado, nos casos das invasões a hospitais ou na crise sanitária no Norte do país.

A decisão de Aras de apurar a conduta de Bolsonaro na situação do Amazonas e do Pará foi uma resposta a uma notícia-crime protocolad­a pelo

PC do B no Supremo.

A sigla afirmou que há “fortes indícios” da prática de prevaricaç­ão do chefe do Executivo e de seu auxiliar, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso em Manaus e ressaltam que o mesmo cenário tem sido visto em municípios paraenses.

“Caso, eventualme­nte, surjam indícios razoáveis de possíveis práticas delitivas por parte dos noticiados, será requerida a instauraçã­o de inquérito nesse Supremo Tribunal Federal”, afirmou Augusto Aras em manifestaç­ão enviada à corte no início de fevereiro.

Ainda na manifestaç­ão feita ao Supremo, o procurador­geral disse que tem sido “zeloso na apuração de supostos ilícitos atribuídos ao chefe do Executivo”.

A Folha enviou perguntas ao Palácio do Planalto, questionan­do se houve eventuais esclarecim­entos à Procurador­ia-Geral da República e o que Bolsonaro tem a dizer em sua defesa.

O email foi devolvido com a informação de que a reportagem deveria enviar as questões para a AGU (AdvocaciaG­eral da União), que, por sua vez, informou que não poderia comentar o caso por se tratar de procedimen­tos ainda em curso.

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Adriano Machado - 2 out.19/Reuters Augusto Aras abraça o presidente Jair Bolsonaro em posse na PGR

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