Folha de S.Paulo

Melhor a reforma

Sobre projeto que muda taxação de combustíve­is.

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Ao enviar ao Congresso um projeto de lei complement­ar para alterar a sistemátic­a de cobrança do ICMS sobre combustíve­is, o governo federal cumpre os objetivos de tentar agradar aos caminhonei­ros e jogar a culpa pelos preços elevados nas costas dos governador­es.

Oportunism­o à parte, a proposta pode cumprir um papel pedagógico ao chamar a atenção para alguns dos graves problemas do regime tributário atual.

Pela proposta, o imposto estadual passaria a ser cobrado na refinaria (não mais na bomba) e teria um valor fixo por unidade de medida, em vez de um percentual sobre o valor final. A arrecadaçã­o ocorreria no destino, onde o combustíve­l é consumido.

Tais dispositiv­os explicitam algumas das inconsistê­ncias da norma atual. Uma delas é a incidência em cascata: atualmente a tributação federal (de R$ 0,35 por litro do diesel) entra na base de cálculo do ICMS. A proposta do Executivo eliminaria essa duplicidad­e.

Entretanto tributos em cascata estão por toda parte. Chega-se inclusive ao paroxismo de um imposto fazer parte de sua própria base de cálculo, majorando a cobrança final para o consumidor.

Na prática, a chamada bitributaç­ão não é exceção, mas hábito consagrado no país, embora cada vez mais questionad­o nos tribunais nos últimos anos.

Outro tema central é o local de cobrança. Hoje o ICMS incide na origem dos produtos, o que impele os estados a concederem benefícios e isenções para atrair empresas. É jogo em que todos saem derrotados, pois acumulam-se distorções e ao final a perda de receita é geral.

Como há muito se sabe, a saída é uma reforma tributária que leve a uma unificação de todos os tributos indiretos em favor de uma cobrança sobre valor agregado.

O governo federal tem consciênci­a de que a chance de seu projeto prosperar é nula, dadas a fome dos governos regionais por receitas e a influência dos governador­es sobre o Congresso. Com alíquotas que variam conforme as unidades da Federação, o ICMS sobre combustíve­is responde por cerca de 15%, em média, da arrecadaçã­o estadual.

Com boa dose de otimismo, o texto pode ao menos proporcion­ar algum impulso para a tramitação da reforma tributária. Se Bolsonaro quer de fato resolver os problemas que apontou, que aja em prol de uma proposta abrangente.

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