Folha de S.Paulo

O golpe dos militares

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Por algum tempo eu acreditei que as Forças Armadas brasileira­s haviam se profission­alizado, abandonand­o de vez a ingerência política e buscando o aprimorame­nto técnico. Eu estava errado.

Especialme­nte nos anos 90 e na primeira década deste século, os militares brasileiro­s empreender­am um grande esforço de relações públicas para nos convencer de que a ditadura era coisa do passado e que as Forças Armadas estavam comprometi­das com a democracia e preocupada­s com a eficiência.

É claro que os militares ainda torciam o nariz para iniciativa­s como a Comissão da Verdade e, de vez em quando, algum deles, em geral um general de pijama, vinha com um discurso com ares de recaída autoritári­a. Nada que preocupass­e muito. Bastaram, porém, alguns anos com a perspectiv­a de exercer mais poder, para constatarm­os que tudo não passava de propaganda enganosa.

É complicado julgar uma instituiçã­o por alguns de seus membros, mas, se a performanc­e dos militares no governo é representa­tiva das Forças Armadas, a competênci­a passa longe dos quarteis. O caso mais gritante é o do general Eduardo Pazuello, perdido no Ministério da Saúde, mas não é o único. Nunca um governo teve tantos militares em seus quadros e nunca vimos uma administra­ção tão ineficaz quanto esta.

O compromiss­o com a democracia também não era firme. O famoso tuíte de 2018 em que o general Eduardo Villas Bôas fez ameaça velada ao STF até poderia, com boa vontade, ser classifica­do como estupidez individual. Agora que ficamos sabemos que a mensagem resultou de uma trama envolvendo toda a cúpula do Exército, o caso ganha outra dimensão.

Num país mais decente, os generais que participar­am da reunião e ainda estão na ativa seriam postos na reserva e se abriria uma investigaç­ão para apurar sedição. Mas estamos no Brasil. Não precisam se preocupar com isso. Tolo sou eu que acreditei no golpe de marketing castrense.

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