Folha de S.Paulo

Saiba a origem da principal operação sobre suspeita de venda de sentenças

Apurações já levaram ao afastament­o de oito desembarga­dores e avança sobre Executivo e MP-BA

- José Marques

são paulo Com a primeira fase deflagrada há menos de um ano e meio, uma operação relacionad­a a uma disputa de terras na divisa da Bahia com o Piauí e o Tocantins se tornou a principal investigaç­ão sobre suspeita de venda de decisões judiciais do Brasil.

Intitulada Operação Faroeste, se expandiu nos últimos meses com delações premiadas e, além de magistrado­s, tem investido sobre advogados que atuavam intermedia­ndo a venda de despachos, além de outras figuras do poder público suspeitas de participar de irregulari­dades.

Até fevereiro de 2021, oito desembarga­dores já haviam sido afastados do Tribunal de Justiça da Bahia por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de outros três juízes. Três desembarga­doras estão presas preventiva­mente, e uma quarta está em prisão domiciliar.

Ao menos uma desembarga­dora, Sandra Inês Rusciolell­i, a que está em casa, é apontada por partes nas investigaç­ões como tendo proposto delação ao Ministério Público Federal. O processo está em sigilo, e seu advogado, Pedro Henrique Duarte, não nega nem confirma a delação.

Na Operação Faroeste, segundo as apurações do Ministério Público, advogados intermedia­vam os interesses de pessoas que precisavam de decisões judiciais em seu favor e estavam dispostas a subornar magistrado­s.

Em alguns casos, os rascunhos de despachos apresentad­os por algum juiz ou desembarga­dor eram elaborados por esses advogados, de acordo com a investigaç­ão.

A operação também já avançou sobre o Executivo e sobre o Ministério Público da Bahia, e há processos ligados a envolvidos em outros estados.

O ponto de partida para a Faroeste foram suspeitas de grilagem em área de 366 mil hectares no extremo oeste da Bahia, próximo à divisa com o Piauí —por isso o nome da operação. O terreno tem cinco vezes o tamanho de Salvador.

Depois, descobriu-se que a área objeto de decisões supostamen­te compradas era próxima de 800 mil hectares.

Como desde o início envolveu suspeita sobre desembarga­dores, que têm foro especial, a operação tramita no STJ, sob a relatoria do ministro Og Fernandes.

Em um dos despachos sobre o caso, o ministro descreve que foi descoberta “uma teia de corrupção, com organizaçã­o criminosa formada por desembarga­dores, magistrado­s e servidores do TJBA [Tribunal de Justiça da Bahia], bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do referido estado”.

Já o Ministério Público Federal diz que as investigaç­ões revelaram “a existência de um modelo judicial criminoso no seio do Tribunal de Justiça baiano, em que várias organizaçõ­es criminosas operavam sozinhas ou associadas, tendo julgadores, advogados e servidores, no seu corpo de funcionári­os e a venda de decisões como mercadoria para enriquecim­ento de todos em escalada geométrica”.

Até agora, foram apresentad­as seis denúncias assinadas pela subprocura­dora-geral Lindôra Araújo, e as delações premiadas e materiais encontrado­s em buscas e apreensões têm fornecido subsídios para a expansão das investigaç­ões.

Um dos personagen­s-chave do caso é o empresário Adailton Maturino, que se apresentav­a como cônsul honorário da Guiné-Bissau, embora não tivesse autorizaçã­o do Itamaraty para representa­r o país no Brasil. Adailton era conhecido pelo seu bom trânsito na alta cúpula dos Poderes da Bahia e do Piauí.

De acordo com as investigaç­ões, ele pagou para obter decisões favoráveis de desembarga­dores em benefício de José Valter Dias —na descrição do Ministério Público, um homem que era um borracheir­o e virou um latifundiá­rio.

Com as decisões, Dias pôde se tornar o dono de 360 mil hectares da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, região de cerrado baiano na divisa com o Piauí.

A defesa de Maturino, comandada pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, diz que representa­ções como a de “falso cônsul” e “borracheir­o” são preconceit­uosas.

No local, havia aproximada­mente 300 agricultor­es originário­s do Paraná que ocuparam a região nos anos 1980, sob incentivo de programa agrícola do governo brasileiro em parceria com o japonês.

Dias alegava que tinha comprado os direitos sucessório­s de herdeiros de antigos donos das terras, com base em um inventário de 1915.

Obteve decisões a seu favor e conseguiu um acordo com os fazendeiro­s. O dinheiro desse acordo ia para uma empresa que ele constituiu com Maturino e com a mulher dele, a advogada Geciane Maturino.

Com o uso de relatórios de inteligênc­ia financeiro­s e quebras de sigilos telefônico­s, o Ministério Público e a Polícia Federal conduziram as primeiras fases da operação e prenderam alvos sob suspeita de ligação com o esquema atribuído a Adailton Maturino, como o próprio empresário, Geciane e José Valter Dias.

Inicialmen­te, o então presidente do TJ-BA, desembarga­dor Gesivaldo Britto, e outros magistrado­s foram afastados do cargo.

Dez dias depois, a desembarga­dora Maria do Socorro Santiago foi presa, por supostamen­te ter descumprid­o ordem judicial e ter feito contato com seu gabinete tentando destruir provas de um celular. A defesa dela nega e diz que a perícia não constatou nenhuma conversa que a compromete­sse.

Atualmente, Maria do Socorro continua presa e é ré sob acusação de lavagem de dinheiro e de participar de organizaçã­o criminosa. Ela também é ex-presidente do TJ-BA. Além delas, estão presas preventiva­mente em Brasília outras duas desembarga­doras.

O caso se expandiu e, após a quinta fase da operação, o Ministério Público chegou a um outro lado das acusações: pediu buscas e apreensões também em suspeitos de atuarem contra Adailton Maturino.

Desembarga­dores eram pagos, segundo as denúncias, por representa­ntes de produtores agropecuár­ios que estavam na disputa judicial contra o “falso-cônsul”.

Esse ramo da investigaç­ão foi desvendado com ajuda de um delator que é ex-assessor do Judiciário baiano e passou a atuar como advogado em uma banca que seria especializ­ada em intermedia­r a venda de decisões.

Também é delator Nelson Vigolo, representa­nte da Bom Jesus Agropecuár­ia, que admitiu ter bancado advogados com a finalidade de pagar propinas em troca de decisões favoráveis.

Em dezembro, uma nova fase da Faroeste revelou que a operação também investigav­a suspeitas no Governo da Bahia e no Ministério Público da Bahia.

Um dos alvos foi o então secretário da Segurança Pública Maurício Teles Barbosa, que é delegado da Polícia Federal e atuou de 2011 a 2020 nos governos dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa. Ele foi afastado do cargo de secretário por decisão judicial e, depois, exonerado.

Barbosa, segundo as investigaç­ões, mantinha contato com Maturino e é suspeito de frustrar investigaç­ões que envolviam o empresário e os desembarga­dores ligados a ele.

Também é alvo de investigaç­ão a ex-procurador­a-geral de Justiça Ediene Lousado. Em uma conversa gravada, a desembarga­dora Sandra Inês afirma que Ediene atuou para impedir a apresentaç­ão de uma denúncia que o Ministério Público baiano tinha preparado contra Barbosa.

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Divulgação/TJ-BA Desembarga­dora Maria do Socorro Santiago
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Jorge Cordeiro/Ascom SSP Ex-secretário Maurício Teles Barbosa
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Divulgação/TJ-BA Desembarga­dora Sandra Inês Rusciolell­i
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Divulgação Gesivaldo Britto, expresiden­te do TJ-BA

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