Mato Groso transforma seu destino movido por China, fé e Bolsonaro
Estado enriquece com valorização das commodites, mas deixa rastro de destruição ambiental
MATO GROSSO | FINANCIAL TIMES Rodrigo Pozzobon sorri como se não conseguisse acreditar completamente em sua boa sorte. Mais de mil quilômetros a oeste dos grandes estados costeiros do Brasil —e mais perto, em linha reta, do oceano Pacífico do que do Rio—, o agricultor desfruta de um boom que atraiu pouca atenção entre seus concidadãos e menos ainda no mundo mais amplo. Pozzobon, 35, é um dos reis da soja no Brasil.
Calçando mocassins de camurça e vestindo uma camiseta alinhada, ele passaria facilmente por integrante da turma da Faria Lima —a elite de São Paulo, que vive, trabalha e se diverte em torno do distrito financeiro da cidade.
Mas Pozzobon nasceu e se criou no estado de Mato Groso, no extremo oeste do Brasil, e tem raízes profundas por lá. Seu pai trabalhava a terra para uma cooperativa na década de 1980, antes de estabelecer uma fazenda própria. Hoje, Pozzobon filho tem duas fazendas e duas casas.
Nos últimos 20 anos, Mato Grosso, um estado com área quase duas vezes maior que a da Espanha, se tornou um dos maiores produtores mundiais de uma safra tão lucrativa que os moradores locais a chamam de “ouro verde”.
É um boom estimulado por mudanças geopolíticas, da ascensão da China, com sua demanda insaciável por produtos alimentícios, à chegada de líderes populistas como o presidente Jair Bolsonaro, que é ídolo para muita gente em Mato Grosso.
O boom também foi alimentado pelo tipo de destruição ambiental e pela extração descontrolada de recursos que vêm maculando a imagem internacional do Brasil nos últimos anos. Mato Grosso agora é dominado por plantações agrícolas vastas e planas, que lembram o Meio-Oeste dos EUA.
No norte, onde essa paisagem se encontra com a floresta amazônica, o estado se tornou um dos pontos focais do desflorestamento ilegal.
Nos quadrantes remotos do estado vivem comunidades indígenas, em terras demarcadas cobiçadas por aqueles que os indígenas denominam “kajaiba” [homens brancos].
Estados litorâneos como o Rio de Janeiro e a Bahia dominaram o Brasil por séculos. No século 20, a ascensão de São Paulo, um polo industrial, e a construção de Brasília como centro político transferiram para o interior o foco da maior nação da América Latina.
Agora ele está mudando de novo, para áreas no passado vistas como inacessíveis. Bem distante da depressão econômica que solapou a vitalidade de lugares como Rio e São Paulo, Mato Grosso representa um território de fronteira em expansão, que vem desempenhando papel crucial na determinação do futuro do país.
Com o Brasil prejudicado por uma crise de identidade, aqueles que vivem e trabalham em Mato Grosso propõem uma narrativa diferente. Sua terra de fronteira oferece uma história de esperança e oportunidade.
A rodovia BR-163 atravessa o Brasil, com poucas interrupções, do sul ao norte. Dentro de Mato Grosso, o trajeto da estrada é reto, e dirigir deveria ser tarefa simples. Não é.
A rodovia é uma peça de infraestrutura vital —se bem que precária— que permite que os reis da soja brasileiros levem seu produto ao mundo externo. Ela conecta as cidades de rápido crescimento em Mato Grosso, como Sinop, Sorriso e Nova Mutum, a Cuiabá, no sul, e às artérias fluviais da Amazônia, mil quilômetros mais ao norte.
Encontrei-me com Pozzobon em Lucas do Rio Verde, cidade em expansão e planejada cuidadosamente, que está classificada entre os municípios mais desenvolvidos do Brasil. Conseguiu que seu crescimento acelerado dos últimos anos resultasse em investimento na educação e nos serviços municipais. O desafio, para as autoridades locais, é gastar o dinheiro arrecadado em impostos com suficiente rapidez para acompanhar a disparada na população.
“É outro Brasil, aqui”, diz Pozzobon, que me conta que Mato Grosso é o único estado que cresceu na pandemia (na verdade, as projeções são que sua economia tenha se contraído em cerca de 1% no ano passado, mas esse continua a ser um dos melhores desempenhos entre os 27 estados brasileiros.) O motivo é simples, ele diz: “Na pandemia, as pessoas pararam de fazer muitas coisas, mas não de comer”.
Fernando Tadeu de Miranda Borges, professor de economia na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), não vê sinais de desaceleração. “Mato Grosso propelirá o desenvolvimento econômico brasileiro”, diz, ainda que advirta que o sucesso depende de manter relações diplomáticas e comerciais, especialmente com Pequim, que Bolsonaro insulta constantemente.
Booms agrícolas são um traço característico da economia brasileira desde a chegada dos primeiros portugueses, em 1500. No entanto, esses booms em geral ocorreram em terras fartas, já ideais para o cultivo, e em áreas relativamente próximas à costa e dotadas de acesso à navegação e logística. Em Mato Grosso, nada disso está disponível.
Até o fim do século 20, a vasta savana do cerrado, que domina a maior parte de Mato Grosso, formando quase que um perímetro meridional para a floresta amazônica, era considerada bruta demais para a agricultura. Isso mudou com avanços tecnológicos como a modificação genética de safras e novos métodos de fertilização de solo, que abriram a terra para a produção de milho, algodão e soja.
Nos últimos dez anos, o Brasil elevou sua produção de soja —usada também na produção de óleo— de 75 milhões para mais de 130 milhões de toneladas, em 2020. O país superou os EUA e se tornou o maior produtor mundial da commodity. A produção de milho quase dobrou, para 105 milhões de toneladas.
Para alguns moradores, há um sentimento de indignação pelo fato de seu estado de 3,5 milhões de habitantes não ser reconhecido por suas realizações. “Já somos maiores que São Paulo em termos de PIB agrícola”, diz o governador do estado, Mauro Mendes.
Cinquenta anos atrás, essa porção de Mato Grosso era dominada por uma mistura de floresta e de vegetação rasteira, e quase desabitada. Encorajadas pelos governos militares, obcecados com o desenvolvimento dos territórios remotos do país, ondas sucessivas de migrantes vindos do Sul começaram a chegar, nas décadas de 1970 e 1980.
A positividade é frequente entre os moradores com quem conversei em minhas viagens pelo estado, especialmente em Sinop e Sorriso, onde as ruas são dominadas por grandes casas com portões, que evocam mais Miami que o meio do nada no Brasil. As queixas são bastante raras.
O orgulho local não é a única coisa que une os batalhadores das terras fronteiriças brasileiras. Eles também acreditam em Bolsonaro.
Para observadores externos, Bolsonaro se assemelha a Donald Trump em seu uso da política populista e de uma linguagem inflamatória. Mas, enquanto a mensagem de Trump ecoava principalmente nas regiões economicamente marginalizadas dos EUA, a de Bolsonaro encontra simpatia entre os produtores e comunidades mais endinheirados, que aplaudem sua abordagem de não interferência com os negócios, depois de anos de governança esquerdista.
Bolsonaro obteve 66% dos votos em Mato Grosso. Mas seu apoio no cinturão agrícola que floresce ao norte da capital, Cuiabá, é ainda mais alto. Mais de 77% dos moradores de Sinop votaram no homem que chamam de “mito”.
O rosto do presidente é onipresente em outdoors na região, erigidos por grupos dedicados de seguidores locais. Em uma visita recente a Sinop e Sorriso, ele foi cercado por uma multidão de fãs.
Não é só financeiramente que Bolsonaro tem conexões com os moradores da região; ele também compartilha de sua fé. Como a maior parte do Brasil rural, Mato Grosso continua a ser profundamente religioso, mas a composição de seus fiéis vem mudando. Nas duas últimas décadas —em paralelo com o renascimento econômico da região—, o estado está na vanguarda de um fenômeno que varreu o Brasil: a expansão das igrejas evangélicas.
Em 2000, os evangélicos representavam 16% da população —número que saltou para 25% em 2010. O recenseamento de 2020 foi adiado em razão da pandemia, mas pesquisas regionais indicam que consideravelmente mais de 30% dos mato-grossenses se declaram evangélicos, agora.
Bolsonaro também conquistou simpatia na região por se concentrar naquilo que ela mais precisa do governo federal. Em 2020, seu governo asfaltou a BR-163 até o porto amazônico de Miritituba. Ele também advoga a construção de conexões ferroviárias que cruzariam Mato Grosso de norte a sul e de leste a oeste.
Os planos enfrentam oposição de organizações indígenas, que devem perder partes de suas terras supostamente protegidas para que os projetos sejam realizados. Mas, para os agricultores da região, esse é o próximo passo inevitável de desenvolvimento. Apesar de toda a importância da BR-163, as distâncias no Brasil são grandes demais para que o transporte rodoviário faça sentido econômico ou ambiental. É mais barato para os exportadores enviar seus produtos dos portos brasileiros à China do que de estados no interior, como Mato Grosso, aos portos.
Entre 2009 e 2019, quase 14.000 km² de floresta nativa foram destruídos em Mato Grosso —segundo maior ritmo de desflorestamento no Brasil, atrás apenas do Pará.
Renato Farias, diretor do Instituto Centro de Vida, organização sediada na fímbria amazônica do norte de Mato Grosso e que promove a sustentabilidade, diz que a discussão sobre desflorestamento ilegal é delicada —é como “ir contra a própria herança”.
Farias abraça uma ideia que vem ganhando favor entre os políticos e os agricultores do Brasil, que afirmam que, com novas tecnologias e técnicas sustentáveis, o Brasil pode dobrar o rendimento de sua produção agrícola sem ter de desmatar novas áreas. Mas, apesar dos atrativos da ideia, por enquanto a destruição do ambiente continua.
Do lado político, Mato Grosso também enfrenta riscos. Por enquanto seu espírito de Velho Oeste e de fronteira vem sendo protegido e até estimulado por Bolsonaro. Mas o presidente populista disputará a reeleição em 2022, e não há certeza de que ele não venha a ser derrotado e substituído por um Joe Biden brasileiro, mais preocupado com o ambiente.
“Na pandemia, as pessoas pararam de fazer muitas coisas, mas não de comer Rodrigo Pozzobon produtor de soja em MT
“Já somos maiores que São Paulo em termos de PIB agrícola Mauro Mendes (DEM) governador de MT