Folha de S.Paulo

Em leilão para teles, TVs e indústria entram na disputa de interesses pelo 5G

Serviço de parabólica­s pode ser regulament­ado como consequênc­ia da adoção da tecnologia

- Julio Wiziack

BRASÍLIA Somente as operadoras de telefonia participar­ão do leilão 5G, mas outros setores entraram na disputa pela defesa de seus interesses. Nesse tabuleiro, o serviço de recepção da TV aberta por parabólica, por exemplo, poderá ser regulament­ado. Hoje, ele é clandestin­o.

As divergênci­as sobre o 5G se devem à proposta de edital, um documento em preparo pela Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) que segue diretrizes do Ministério das Comunicaçõ­es para as regras do certame.

Superada a possível restrição à participaç­ão da chinesa Huawei da construção das redes 5G, o governo espera realizar o leilão no fim de junho.

Mas, ante tantas divergênci­as sobre o edital, o presidente da Anatel, Leonardo de Moraes, pediu vista do processo.

O primeiro conflito relevante ocorre entre as teles e as emissoras de TV. Na proposta, a Anatel decidiu delegar para a telefonia 5G uma faixa de frequência (3,5 GHz) hoje utilizada pela radiodifus­ão e empresas de satélites.

As frequência­s são avenidas no ar por onde trafegam os sinais. Fora delas ocorrem interferên­cias entre os diferentes sinais das empresas.

As emissoras afirmam que, por essa frequência, mais de 20 milhões de domicílios assistem à TV aberta em locais onde a recepção pelas antenas convencion­ais de TV é inexistent­e ou precária. Dizem que há canais com audiência maior na parabólica do que pelas antenas tradiciona­is.

Em boa parte, os sinais que chegam a esses locais via satélite já são digitais. Cerca de 15% dos canais ainda chegam com qualidade analógica, segundo operadores.

O 5G vai mexer nesse negócio. Pela proposta, as teles ficarão na frequência de 3,5 GHz, e os satélites migrarão para outra faixa, com sinais totalmente digitais. Essa operação gera custos.

As emissoras que ainda não têm sinais digitais no satélite terão de investir nesse aprimorame­nto técnico. Especialme­nte as TVs de pequeno porte vinham resistindo a esse gasto. Faziam a transmissã­o digital via satélite entre as geradoras e suas afiliadas, e não para atender as parabólica­s.

Pela proposta em discussão na Anatel, as teles terão de comprar receptores e distribuir para os que só veem TV via parabólica. Elas, no entanto, são contrárias ao modelo.

Querem distribuir filtros (para mitigar possíveis interferên­cias) e manter os satélites na mesma faixa de frequência. Dizem que o país está optando por fazer política pública com um serviço que hoje é pirata.

A transmissã­o de TV aberta para parabólica acabou se tornando um efeito colateral da troca de sinais entre as geradoras e suas afiliadas. Por questões técnicas, sinais desciam “sem proteção” —uma espécie de criptograf­ia—, podendo, assim, serem captados pelas antenas parabólica­s em solo.

No entanto, pelo volume de domicílios que hoje se valem desse artifício para assistir à TV aberta, o governo decidiu que ele não pode ser desprezado por uma “questão social”, e esse segmento acabou ganhando certa “proteção” por decretos passados.

Com o 5G, já existe a discussão de uma “atenção especial a esse segmento” entre os técnicos do Ministério das Comunicaçõ­es. Há chances de que o serviço seja regulament­ado.

O modelo, no entanto, ainda está em aberto; poderia ser exclusivo para concession­árias de TV ou aberto para todos os canais que hoje estiverem sendo recebidos por parabólica­s.

Para as teles, esse processo custariam ui tomais elevaria a atrasos na oferta comercial do 5G, em cerca de três anos.

A avaliação dos radiodifus­ores é que o cronograma da Anatel deixa bastante claro que a migração teria de estar concluída em 300 dias. Somente de poisas teles poderão explorara faixa de 3,5 G Hz com o 5G, um processo conhecido como “limpeza da faixa”.

As emissoras dizem que esse processo já ocorreu no passado e não houve atraso substancia­l. No 4 G, a Anatel leiloou a faixa de 700 MHz, que também era usada pela radiodifus­ão.

Outro ponto nevrálgico se refere à definição do padrão técnico das redes 5G. O relator do processo na agência, Carlos Baigorri, definiu que sejam redes nova seque só operem com o chamado Stand-Alone.

No setor, esse padrão é conhecido como Stand-Alone ou “5G puro” porque pressupõe a construção de uma rede própria e independen­te da infraestru­tura 4G e 3G em funcioname­nto.

Para Baigorri, somente nesse padrão será possível ter acessoa funcionali­dades da quinta geração, como cirurgias a distância, carros autônomos ou fábricas conectadas.

Para as teles, essa rede custará bilhões e ainda não há um modelo de negócio capaz de rentabiliz­á-la em menos de dois anos.

Técnicos da Anatel concordam que no modelo de negócio “operadora-cliente” esse negócio resultará em prejuízo. No entanto, defendem que haverá outras frentes de exploração comercial: a oferta de conexão em altíssima velocidade sem fios (FWA) e as soluções “operadora-indústria”, a chamada indústria 4.0, que pressupõe a digitaliza­ção das unidades industriai­s e conexão entre máquinas: a internet das coisas.

ATIM concorda comesse padrão. As líderes Vivo e Claro são contrárias —querem explorar o 5G na estrutura atual enquanto ganham tempo para construir a tal “rede 5G pura”.

Nem Anatel nem o governo querem impedir as teles de oferecer o que chamam de “4,5GPlus”, serviço com velocidade de 5G (cem vezes mais rápido que o 4G) nas redes atuais. Mas não concordam com o pleito delas de considerar localidade­s cobertas pelo “4,5 GP us” como se tivessem 5 G.

A saída da Anatel também impacta os fabricante­s, com quem as teles mantêm contratos permanente­s de fornecimen­to e manutenção.

A Huawei é hoje a fornecedor­a de mais da metade das redes instaladas em operação no país. Há operadoras que só têm aparato chinês em funcioname­nto. O gigante asiático tem soluções 5G para as redes atuais, algumas já em uso. Seria, portanto, naturalmen­te escolhida para a próxima etapa.

No entanto, se o padrão vencedor for mesmo o 5G puro, os equipament­os da Huawei não conversarã­o com essa rede. Tampouco o dos concorrent­es.

Ou seja, com essa decisão fabricante­s como Nokia, Ericsson, Samsung e Nec estarão em igualdade coma Huaweip ara aconstruçã odas redes puramente 5 G. O jogo, segundo Baigorri, “começaria do zero”.

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