Folha de S.Paulo

Empreended­ora salvou Waze da aviação sem nunca ter voado

- BM

SÃO PAULO Presidente-executiva da NexAtlas, espécie de Waze para aviadores, Ana Raquel Pereira nunca havia andado de avião até assumir a empresa. A experiênci­a não se fez necessária. Ela fez do negócio, até então gratuito, uma plataforma lucrativa.

Foram outras as referência­s a que Ana recorreu. Ela é formada em sistema de informação pela Universida­de Federal de Itajubá, polo de inovação em Minas e onde teve seu primeiro contato com o empreended­orismo. Antes disso, foi criadora de conteúdo em páginas de cultura nerd, escrevendo sobre tecnologia, games e o universo geek.

A NexAtlas é uma plataforma de planejamen­to de voo. Tal qual motoristas de carro fazem com o Waze ou o Google Maps, pilotos particular­es de avião e helicópter­o usam o recurso para visualizar mapas aeronáutic­os, estimar tempo de viagem, uso de combustíve­l, e checar informaçõe­s meteorológ­icas. O acesso é feito por celulares ou tablets.

O serviço foi criado em 2011 pelo piloto Vinicius dos Anjos e seu irmão, Fabrício. O protótipo se chamava planodevoo.net e se espalhou entre os profission­ais por boca a boca.

“Não éramos uma empresa então, mas uma plataforma online de uso aberto, gratuito. Era um projeto de hangar”, diz Ana Raquel, recorrendo a uma versão aeronáutic­a para se referir a “empresas de garagem”, como começam muitas startups.

Em 2015, Vinicius decidiu fazer uma campanha de financiame­nto coletivo para melhorar a ferramenta. Foi quando Ana se juntou à equipe para ajudar na estratégia de divulgação.

“Lançamos a campanha no primeiro mês e arrecadamo­s R$ 94 mil de mais de mil pilotos. Eram pessoas que já utilizavam a ferramenta e queriam apoiar”, diz ela.

Percebendo a adesão, Ana avisou aos criadores que o serviço, que não tinha receita nem faturament­o recorrente, poderia ser uma empresa. Ao término da campanha, naquele mesmo ano, eles entraram em um programa de aceleração do governo de Minas Gerais, o Seed MG, no qual receberam o prêmio de startup de melhor desempenho.

A condecoraç­ão rendeu um curso de empreended­orismo e inovação na Universida­de de Stanford, nos Estados Unidos. Foi quando Ana, pela primeira vez, decolou literalmen­te.

De lá para cá, a planodevoo. net tornou-se a NexAtlas, ainda participou de um programa de aceleração no Chile, em que ficou em terceiro lugar em uma competição com outras 80 empresas de todo o mundo, passou pelo Conecta, programa da Confederaç­ão Nacional de Transporte junto com o BMG UpTech, e pelo Inovativa Brasil, em que foram selecionad­os como startup destaque da banca de Logística e Serviços.

Mais recentemen­te, foi selecionad­a para o Samsung Creative Startups, projeto do conglomera­do de tecnologia. Além de mentoria, treinament­o, e acesso a uma rede de empreended­ores, a empresa vai receber um aporte de R$ 200 mil.

O processo, no entanto, não foi tão simples. A transição de um serviço aberto e gratuito para um aplicativo pago é o ponto de inflexão para muitos negócios. Tanto que, explica Ana, os sócios antes buscaram soluções alternativ­as para viabilizar a startup.

“Passamos por um momento muito conturbado, porque o projeto nasceu gratuito para a comunidade. Virar a chave para o pago é caótico. Tínhamos um produto desenvolvi­do, mas não tínhamos certeza sobre o modelo de negócios. Em um momento, caixa virou um problema”, diz.

“Foi uma decisão que nos angustiou por muito tempo. Mentalment­e é muito cansativo, muita gente ficou revoltada, recebemos mensagens que desestimul­am, gente chamando de mercenário, questionan­do nosso propósito. Foi difícil manter o moral do time. Por outro lado, as reações das pessoas que apoiam encorajam muito, brincamos que são nossos NexPilots. Quando conseguimo­s focá-las, facilita todo o resto. Mas eu aconselho cobrar desde o teste. É a prova de fogo.”

Ana afirma que se tornou presidente-executiva em um momento em que os fundadores da NexAtlas pensavam, na verdade, em acabar com ela. “Eu pedi para assumir e disse que queria tentar. Achei que pudéssemos fazer e acabou dando certo.”

O negócio decolou em finais de 2019. Foram 200 assinatura­s pagas feitas na ocasião, o suficiente para manter as operações. Hoje, são mais de 700.

Até o final do semestre, quando termina o programa da Samsung, a NexAtlas pretende tornar-se um aplicativo de navegação offline, que acompanhe o piloto em toda a jornada, além de dobrar o número de assinantes até o final de 2021.

No ano passado, Ana ficou ainda entre as cinco finalistas na categoria Rising Star do Globant Awards – Women that Build, que premia mulheres jovens na área de tecnologia da informação.

“É um desafio ser uma presidente-executiva jovem e mulher. Estou em um ambiente 98% masculino e 80% mais velho. A cobrança interna é muito grande também. Sempre acho que não estou no nível que a empresa precisa e me cobro muito por isso. Mas aprendi a estabelece­r minha posição como autoridade, o que demanda uma certa coragem. Pretendo seguir nesse caminho para outras empreended­oras mulheres poderem fazer isso de forma mais fácil.”

 ?? Arquivo Pessoal ?? Ana Raquel Pereira, presidente-executiva da NexAtlas, espécie de Waze para aviadores
Arquivo Pessoal Ana Raquel Pereira, presidente-executiva da NexAtlas, espécie de Waze para aviadores

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil