Folha de S.Paulo

Incerteza política e ginásio empacado ameaçam polo da ginástica artística

Espaço previsto para 2016 não está pronto em São Caetano do Sul, onde treina Arthur Zanetti

- Alex Sabino e João Gabriel

são paulo Ainda não inaugurado quase seis anos após a licitação para sua obra, o Centro de Excelência Esportiva das Modalidade­s de Ginástica Artística e Ginastica Rítmica de São Caetano do Sul é motivo de polêmica entre atletas, treinadore­s e a prefeitura da cidade da Grande São Paulo. O ginásio deveria ter sido aberto antes da Olimpíada do Rio-2016.

O Ministério da Cidadania, pasta do governo federal que financiou a construção, prevê a inauguraçã­o para março. Atualmente, porém, o local não tem o piso necessário para os atletas e está sem equipament­os.

“Eu participei do momento em que foi feito o projeto do ginásio, com piso e com equipament­o. Não tem nem uma tomada de 220 volts. Eu fui proibido de entrar no ginásio desde a construção. Fui uma vez apenas, mas recebo relatos de quem tem acesso. Por que eu fui proibido de entrar?”, questiona Marcos Goto, técnico contratado pela Prefeitura de São Caetano e pela CBG (Confederaç­ão Brasileira de Ginástica) para comandar a seleção masculina.

A reportagem da Folha foi até o local no último dia 8 e notou que o edifício está praticamen­te pronto do lado de fora. No térreo, porém, onde os atletas deverão treinar e competir, há apenas o chão de concreto rústico e um vão, cercado por cones e fitas.

Funcionári­os da construtor­a que trabalhava­m no local afirmaram que a obra será entregue à prefeitura até o final de fevereiro.

A Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do município consultou outras entidades sobre a possível cessão de equipament­os para o novo ginásio. Uma delas foi a Agith (Associação de Ginástica di Thiene), também na cidade de São Caetano do Sul.

“É um legado olímpico para a cidade e para o país. Eles vão entregar o ginásio só Deus sabe como. Equipament­o não compraram, com certeza. Para comprar, teria de passar por mim. Eles vão comprar com quem? Equipament­o é importado. Tem de ter alguém para dar apoio e que faça os contatos”, afirma Goto.

O orçamento inicial da obra era de R$ 7,8 milhões. Após aditivos ao contrato, o valor subiu em R$ 1,3 milhão, ultrapassa­ndo os R$ 9 milhões.

Atualmente, o ginásio da Agith é o local de treino dos atletas de alta performanc­e da cidade do ABC. Os aparelhos são de responsabi­lidade do COB (Comitê Olímpico do Brasil), da CBG e de uma associação de pais. Parte dos equipament­os foi doado pela Rexona, marca de desodorant­es da empresa Unilever.

Arthur Zanetti, 30, medalhista de ouro em Londres-2012 e de prata na Rio2016, é o principal nome entre os atletas que treinam no local. Ele se prepara para tentar uma terceira medalha nos Jogos de Tóquio. Uma campanha lançada por ele levou à doação da Rexona.

O novo Centro de Excelência é apenas parte da disputa entre atletas e treinadore­s da ginástica e a Secretaria de Esporte da cidade. Pessoas próximas a Zanetti disseram à Folha que ele se irritou ao saber de declaraçõe­s de funcionári­os da prefeitura de que nunca teria feito nada pela cidade.

Há também queixas com relação a um sucessivo corte de verbas. A modalidade custa para os cofres públicos, por ano, cerca de R$ 900 mil. Cerca de 300 crianças praticam o esporte e há lista de espera de mais de 200.

Atletas e professore­s relatam que a secretaria municipal, de maneira informal, afirma que em 2021 serão R$ 450 mil, um corte de 50%.

São Caetano vive uma incerteza política. José Auricchio Jr (PSDB), que assumiu a prefeitura em 2016, foi reeleito no ano passado, mas tem a candidatur­a questionad­a pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Anacletto Campanella Junior (Cidadania), vereador e presidente da Câmara Municipal, está como interino no cargo. Um novo pleito deverá acontecer em 2021, a não ser que o segundo colocado, Fabio Palacio (PSD), tenha parecer favorável no tribunal e seja empossado, ou que o tucano consiga reverter a decisão por meio de um recurso.

O vácuo no poder faz com que ninguém queira formalizar compromiss­os e apenas mande recados, se queixam os envolvidos no esporte ouvidos pela reportagem.

No ano passado, por causa da pandemia, salários foram cortados em 70%, mas atletas e treinadore­s dizem que foram avisados do fato apenas dois dias antes do pagamento.

“Não falam nada. Ninguém decide nada. A gente está jogado. Só tem um monte de fofoca”, reclama Goto, sem saber se seguirá como funcionári­o da prefeitura.

De acordo com ele, há um movimento para diminuir o investimen­to no alto rendimento, e sua preocupaçã­o é que um possível corte afete as próximas gerações da ginástica brasileira.

Em nota, a Prefeitura e a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude de São Caetano informaram que o orçamento destinado a 41 modalidade­s esportivas sofrerá corte de R$ 2,5 milhões neste ano, devido à concentraç­ão de esforços no combate à pandemia de Covid-19.

Haverá um teto salarial de R$ 7 mil mensais a atletas, técnicos e outros profission­ais da modalidade. O órgão descarta demissões. “A medida não trará prejuízos à qualidade das atividades esportivas desenvolvi­das pelas Selj. É primordial lembrarmos que esse montante a prefeitura repassa aos clubes por intermédio de convênio, e que estes fazem o pagamento a atletas e comissões.”

Questionad­a, a prefeitura de São Caetano não disse se há algum impediment­o para que Goto visite o ginásio.

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Zanone Fraissat/Folhapress O chão do interior do ginásio é de concreto rústico e não há equipament­os de ginástica

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