Folha de S.Paulo

Livro mais vendido na França no ano passado traz suspense nos Alpes

Chega ao Brasil ‘O Enigma do Quarto 622’, de Joël Dicker, trama policial que envolve banqueiros e espiões na Suíça

- Úrsula Passos

Um escritor suíço tira férias e vai descansar num famoso hotel de montanha, mas se vê carregado, um tanto contra a sua vontade, à tentativa de desvendar um mistério, que envolve uma morte, um banqueiro e espiões.

A sinopse já anuncia uma ótima trama policial para escapulir um pouco das preocupaçõ­es pandêmicas, como lavar as mãos, usar máscaras e lembrar dos milhões de mortos.

Os franceses, que passaram por dois lockdowns no ano passado, devem ter pensado a mesma coisa e fizeram de “O Enigma do Quarto 622”, de Joël Dicker, o livro mais vendido naquele país em 2020.

“Todos nós nos sentimos atraídos pelo mistério, porque todos os seres humanos somos curiosos”, afirma Dicker. “Parte do prazer que temos ao ler um livro, ou ver um filme ou uma série, vem de ativarmos, de forma artificial, esse mecanismo em nós que ama mistérios.”

O catatau de mais de 500 páginas do escritor de 35 anos vendeu cerca de 495 mil cópias na França —no Brasil, que tem o triplo da população francesa, o mais vendido de 2020, “Do Mil ao Milhão”, de Thiago Nigro, chegou perto de 350 mil cópias.

Como muitos escritores que atingem o sucesso de vendas, Dicker, porém, nunca foi unanimidad­e na crítica. Embora tenha ganhado, em 2012, com “A Verdade sobre o Caso Harry Quebert”, seu segundo romance, o grande prêmio da Academia Francesa, ele é constantem­ente apontado como autor para pessoas que não têm o hábito de ler e criticado por fazer literatura “easy reading”, espécie de equivalent­e, para os livros, à música de elevador.

A crítica ele vê como elogio.

“Num mundo em que as pessoas são parasitada­s por seus celulares, pela televisão, pela internet, um mundo em que se lê cada vez menos, quando esses artigos dizem isso de mim é um elogio”, afirma ele em conversa por vídeo.

Para Dicker, o trabalho de estimular a leitura dos que não têm o hábito de ler é muito importante. “A leitura e a cultura são a porta aberta para viver junto, para o encontro com o outro, para construir vida e personalid­ade. Todos deveríamos lutar para que todos tivessem acesso a isso, e para que as pessoas se fechassem menos na internet.”

“O Enigma do Quarto 622” é seu quinto romance, e o primeiro que se passa na Suíça —com exceção do primeiro, sobre resistente­s franceses da ocupação nazista que treinam na Inglaterra, os demais se passam nos Estados Unidos. Ele diz que era difícil inventar um história em sua cidade, Genebra, porque, quando escrevia, confrontav­a sua criação sempre à realidade e, ali, não conseguia seguir.

Este é também o primeiro livro em que o escritor protagonis­ta leva seu nome. Nos livros de Dicker, sempre há um escritor ou alguém que trabalha com a escrita, como a jornalista de “O Desapareci­mento de Stephanie Mailer”, seu romance anterior.

Seu maior sucesso, até aqui, “Harry Quebert”, adaptado para um seriado disponível no Brasil pelo Globoplay, tem como herói o escritor Marcus Goldman, cuja história familiar é o tema do volume seguinte, “O Livro dos Baltimore”. Desta vez, contudo, o protagonis­ta se chama Joël Dicker.

Ele conta que queria brincar com o leitor. “Em ‘Harry Quebert’ eu criei esse personagem, o Marcus Goldman, que é completame­nte diferente de mim, e os leitores falavam ‘é você’, e quando a série saiu, falaram que o ator não se parecia comigo. Mas bom, porque Marcus não sou eu”, afirma ele, rindo.

“Então pensei: ‘quer saber, vou tentar criar um personagem que se chama Joël Dicker, para desestabil­izar o leitor. Agora ele não diz: ‘é o Joël, que mora em Genebra, é você’. Não, ele diz ‘será que é você?’.”

O livro, que chega neste mês às livrarias, depois de ter ganhado uma edição especial no clube de assinatura Intrínseco­s, também não faria feio na televisão, com sua história de enigma à la Agatha Christie.

Ele alterna duas épocas, entre Genebra e um hotel nos Alpes: 2018, a do escritor que só quer descansar, e a do crime que ele acaba tendo de investigar, cerca de 15 anos antes (o ano não é mencionado no texto), que envolve uma família banqueira tradiciona­l e uma disputa entre sócios. E alterna ainda o tom de mistério com humor e romance.

Para Dicker, o sucesso de séries de TV deve muito ao romance, de origem no folhetim. “As séries recuperam os códigos do romance, que era um folhetim, publicado no jornal em episódios, e as pessoas ficavam curiosas. Tínhamos perdido um pouco isso de vista com o cinema, que, em uma hora e meia, duas, raramente faz justiça ao livro”, diz.

As séries adaptadas de livros, porém, ele faz questão de lembrar, seguem sendo adaptações, uma das versões possíveis para um livro. “Não há uma verdade do romance, há tantas verdades quanto leitores, que vão, lendo, imaginando e fazendo a sua versão.”

O Enigma do Quarto 622

Autor: Joël Dicker. Tradução: Carolina Selvatici e Dorothée de Bruchard. Intrínseca. R$ 64,90 (528 págs.); R$ 44,90 (ebook). Dia 19 nas livrarias

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Valery Wallace Studio/Divulgação O escritor suíço Joël Dicker

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