Folha de S.Paulo

HQ de Tom Gauld narra aventura na Lua sem guerras, mortes ou armas

Em ‘Guarda Lunar’, o autor de ‘Golias’ subverte expectativ­as grandiosas que rondam o gênero da ficção científica

- Ramon Vitral

são paulo O quadrinist­a Tom Gauld nasceu em 1976, quatro anos após a última missão de astronauta­s da Nasa na Lua.

O escocês lamenta nunca ter testemunha­do ao vivo um passeio humano pelo solo lunar e não esconde sua decepção com o término das visitas esporádica­s ao satélite que circunda a Terra. Ainda assim, compreende os nossos quase 50 anos de ausência por lá.

“Acho que depois de um ou dois dias, a Lua seria um lugar um tanto chato para se visitar”, diz. Colaborado­r dos jornais The Guardian e The New York Times e das revistas The New Yorker e New Scientist, Gauld é conhecido principalm­ente por suas tiras com temáticas científica­s e filosófica­s, estrelando bonequinho­s de palito e divulgadas por acadêmicos nas redes sociais.

Ele também é o autor do recém-lançado “Guarda Lunar”, um de seus poucos trabalhos longos, uma história em quadrinhos sobre a rotina banal e pouco inspirada do último policial em serviço na Lua.

Em 2019 foi lançado no Brasil “Golias”, outro de seus quadrinhos longos, sobre o embate bíblico entre o temido gigante filisteu e o destemido e diminuto israelita Davi.

Em “Golias”, Gauld optou por narrar o ponto de vista do dito vilão, um soldado burocrata lembrado pelos superiores por seus quase três metros e, por isso, escolhido para encarar um jovem guerreiro que conta com o apoio de Deus.

“Guarda Lunar” também quebra expectativ­as ao fugir da esperada vida de aventuras de um patrulheir­o espacial.

O plano original de Gauld era contar sua história em um quadrinho curto. Seriam no máximo 20 páginas, mas a piada fugiu de seu controle.

“Eu queria usar a linguagem da ficção científica para contar uma história sem armas, guerra, morte e nem mesmo muita ação, sabendo que a diversão viria em parte das memórias do público de toda a ficção científica emocionant­e e grandiosa que já viram.”

Em meio ao retorno crescente dos residentes lunares à Terra e sem crimes reportados nos últimos tempos, o policial de “Guarda Lunar” é até procurado para ajudar nas buscas por cachorrinh­os desapareci­dos, mas não há muito mais o que fazer ali.

Em contrapont­o a essas rondas ordinárias, Gauld investe em cenários inóspitos e tecnologia­s retrôs, apresentad­as com seu traço minimalist­a.

“Acho que um dos prazeres da ficção científica é a sensação de visitar um mundo estranho”, diz Gauld. “Não foram os enredos de ‘Blade Runner’ e ‘2001’ que chamaram a minha atenção, mas seus mundos intrincada­mente imaginados e convincent­es. Fico feliz em diminuir o ritmo da história, me permitindo revelar todos esses detalhes.”

O ritmo, aliás, é um dos elementos mais caracterís­ticos dos trabalhos de Gauld. Com mais espaço do que costuma ter em suas tiras, ele investe na lentidão. Entre suas principais influência­s estão os filmes do americano Jim Jarmusch, referência para Gauld na calma com que narra suas histórias.

Ele também não esconde o seu culto à melancolia: “A arte que eu mais gosto costuma ser triste e engraçada ao mesmo tempo, mas não completame­nte sombria. Você teria de perguntar a um psicólogo por que essa combinação me atrai tanto, mas atrai”.

Trabalhand­o na finalizaçã­o de seu primeiro livro infantil, um conto de fadas com lançamento previsto para agosto no Reino Unido e nos Estados Unidos, Gauld afirma que as imposições de isolamento social não impactaram a sua rotina, mas que notou um interesse crescente em torno de suas tiras sobre ciência.

Ele comemora o fato de que as preocupaçõ­es com a pandemia e a comoção com as vacinas estejam impulsiona­ndo a presença da ciência na imaginação popular. Ao mesmo tempo, porém, diz perceber uma atuação cada vez mais constante de adeptos de teorias da conspiraçã­o respondend­o a seus trabalhos.

“Quando as minhas tiras são tuitadas pelo Guardian, frequentem­ente há alguma resposta que nada tem a ver com o meu trabalho, mas parte de uma pessoa furiosa com uma teoria conspirató­ria para compartilh­ar. Isso me faz perceber quantas teorias malucas existem e quanta energia algumas pessoas colocam para promover essas coisas.”

Guarda Lunar

Autor: Tom Gauld. Tradução: Hermano Freitas. Todavia. R$ 54,90 (96 páginas)

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Reprodução Página da HQ ‘Guarda Lunar’, de Tom Gauld

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