Folha de S.Paulo

Risco de greve faz Guedes acatar troca, e equipe quer evitar guinada antilibera­l

- Bernardo Caram

Antes colocado pelo presidente Jair Bolsonaro como dono da palavra final em decisões econômicas do governo, o ministro Paulo Guedes (Economia) viu seus interesses contrariad­os em dois episódios consecutiv­os.

Medidas na área de combustíve­is, determinad­as pelo presidente, foram acatadas pelo Ministério da Economia sob o argumento de que havia risco iminente de greve dos caminhonei­ros. A justificat­iva é que o impacto da paralisaçã­o só não seria mais danoso do que a pandemia do novo coronavíru­s.

Agora, a pasta trabalha para evitar uma guinada na política econômica do governo, o que poderia derrubar a credibilid­ade do país.

Membros da área econômica dizem que os próximos 90 dias serão decisivos para avaliar o caminho escolhido pelo Palácio do Planalto. O foco, no momento, será garantir a aprovação de medidas de ajuste fiscal como contrapart­ida à liberação de nova rodada do auxílio emergencia­l.

A isenção de impostos sobre combustíve­is e a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da Petrobras foram ordenadas por Bolsonaro apesar de posições contrárias de Guedes.

Após os anúncios do presidente, o ministro estabelece­u um período de silêncio. Nos bastidores, mesmo tentando minimizar os atos de Bolsonaro, auxiliares do chefe da Economia reconhecem que, em alguma medida, eles provocarão impacto negativo.

A pasta trabalha com dois cenários possíveis. No primeiro, o dano seria restrito à desvaloriz­ação das ações da Petrobras por conta da desconfian­ça gerada pela retirada de um liberal e a indicação de um general ao comando da estatal. Para isso, a turbulênci­a não poderá afetar a pauta econômica de Guedes, como medidas de ajuste nas contas públicas e reformas estruturan­tes.

O segundo cenário, considerad­o catastrófi­co, seria uma mudança de rumos da gestão econômica do governo, o que colocaria em risco a agenda liberal de Guedes. A avaliação é que uma ruptura de confiança na política de longo prazo seria muito mais nociva do que a alteração pontual na Petrobras, provocando fuga de investimen­tos e elevação de juros, inflação e desemprego.

Está prevista para quintafeir­a (25) a votação no Senado da PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) do Pacto Federativo, que traz gatilhos de ajuste nas contas públicas. O acor dopara votação foi fechado como forma de compensar anova liberação do auxílio.

Também são prioridade­s da equipe econômica a reforma administra­tiva, que altera regras no serviço público, e a privatizaç­ão da Eletrobras.

Nas palavras de um interlocut­or do ministro, a decisão dos investidor­es em geral não está ligada à cotação das ações da Petrobras na segunda-feira (22), que deve ter uma queda, mas sim em fatores de longo prazo e na solvência do país.

Integrante­s do Ministério da Economia argumentam ainda que as ações recentes de Bolsonaro estão dentro das prerrogati­vas do presidente da República e não ferem a gestão de Guedes.

Na formação de governo, porém, a sugestão do nome de Castello Branco foi dada pelo ministro da Economia.

A isenção de tributos federais sobre o diesel e o gás de cozinha deve gerar impacto superiora R $3 bilhões na arrecadaçã­o. Técnicos dizem que, seguindo a orientação do ministro, o custo será compensado, em respeitoàL ei de Responsabi­lidade Fiscal.

Entre as opções colocadas na mesa para compensara medida estão cortes de incentivos tributário­s para o setor petroquími­co, embarcaçõe­s, aeronaves e automóveis de luxo para deficiente­s físicos.

Membros da pasta avaliam que não houve perda de poder do ministro da Economia porque, além de não estar diretament­e vinculado à Petrobras, Guedes tem nomes no comando de diversos órgãos, como Banco Central, BNDES (Banco Nacional do Desenvolvi­mento Econômico e Social), Caixa Econômica e Banco do Brasil —este último quase foi demitido por Bolsonaro, mas permaneceu no cargo após ofensiva de Guedes.

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