Governo dispensa licitação para comprar vacinas russa e indiana
Ação se dá em meio a pressão quanto ao atraso na imunização no país e lobby dos laboratórios
O Ministério da Saúde publicou dois extratos de dispensa de licitação para comprar as vacinas Sputnik V e Covaxin, desenvolvidas respectivamente por laboratórios russos e indianos.
Os dois extratos foram publicados na noite de sextafeira (19) em edição extra do Diário Oficial da União. Eles representam juntos o investimento de cerca de R$ 2,3 bilhões para a aquisição das vacinas.
Um deles autoriza a contratação no valor de R$ 693,6 milhões da vacina Sputnik V, junto ao Fundo de Investimento Direto da Rússia, que no Brasil mantém parceria com a empresa União Química Farmacêutica Nacional.
O Fundo de Investimento Direto da Rússia é o responsável por negociar internacionalmente a imunização que foi desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, de Moscou.
O segundo extrato libera do processo licitatório a compra da vacina Covaxin, desenvolvida pela indiana Bharat Biotech, representada no Brasil pela empresa Precisa. O valor total é de R$ 1,614 bilhões. Em nenhum dos casos, é informado a quantidade de doses que serão adquiridas.
A dispensa de licitação para a compra de vacinas, insumos e contratação de serviços referentes à vacinação havia sido autorizada pela Medida
Provisória 1.026, de janeiro deste ano e que que estabelece um processo simplificado para a compra de vacina contra a Covid-19.
Nenhum dos laboratórios responsáveis por essas vacinas ingressou até o momento com pedido de autorização para uso emergencial na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
No entanto, o Congresso aprovou a MP 1.003 recentemente que prevê um prazo de cinco dias para que a agência brasileira autorize a liberação de vacinas aprovadas por autoridades sanitárias de outros países, entre eles a Rússia, embora o foco seja a autorização para que o Brasil ingresse no consórcio internacional Covax Facility, destinado a acelerar o desenvolvimento e distribuição das vacinas.
Uma outra MP em tramitação no Congresso deve incluir no texto as autoridades sanitárias da Índia, fruto de uma emenda apresentada pelo líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Há grande pressão para que o governo federal adquira as vacinas russa e indiana. As doses disponibilizadas até o momento são consideradas insuficientes e, por isso, muitos municípios, como o Rio de Janeiro, anunciaram a paralisação da vacinação.
O Ministério da Saúde também sofre a pressão do Congresso, em particular do Senado.
Um requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já foi protocolado e conta com assinaturas suficientes para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as ações e omissões do governo durante a pandemia, principalmente em relação ao atraso da vacinação.
O ministro Eduardo Pazuello compareceu a uma sessão do plenário para dar explicações, na qual prometeu vacinar toda a população passível de receber a imunização até o fim do ano.
Os senadores, no entanto, consideraram as explicações insuficientes. O governo então ganhou tempo com a decisão, após reunião de líderes na quinta-feira, da instalação de uma comissão especial para analisar as ações de enfrentamento à pandemia.
Após dez dias da instalação da primeira comissão, há um compromisso de avaliar a necessidade de uma CPI.
Como a Folha mostrou, os fabricantes da vacina russa Sputnik V fazem intenso lobby político para pressionar a Anvisa a liberar o uso emergencial do imunizante. A pressão vem incomodando os diretores da agência, diante das ofensivas múltiplas.
Lobista escalado pela empresa no Brasil, a União Química, o ex-deputado federal pelo PSD e ex-governador do DF Rogério Rosso mantém interlocução direta com deputados e senadores –em especial os do centrão, espaço político que ocupou como parlamentar– e com o governo da Bahia, que assinou um memorando de entendimento com os russos ainda em agosto.
Além disso, Rosso já esteve em reuniões na Anvisa em pelo menos duas ocasiões, representando a União Química, onde é formalmente diretor de Negócios Internacionais.