Folha de S.Paulo

Governo atual se alimenta do combate a inimigos imaginário­s

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia

A demissão do presidente da Petrobras pode tornar ainda mais difíceis os meses à frente. O equívoco da decisão, e a sua forma truculenta, adiciona uma pedra de sal em uma economia já conturbada.

O câmbio depreciado, em meio a uma estrutura tributária disfuncion­al, é o responsáve­l pelo aumento do preço dos combustíve­is acima da valorizaçã­o do preço do petróleo no mercado mundial.

A culpa é exclusivam­ente nossa. A falta de uma agenda consistent­e para enfrentar a pandemia e os problemas estruturai­s da economia resultaram em uma alta da taxa de câmbio bem maior do que nos demais países.

Há muito se sabe das nossas distorções tributária­s, e há propostas na Câmara para corrigi-las. Mas o governo nunca soube por onde seguir. A inação do Planalto resultou nesta quadratura do círculo.

Os preços continuam a subir, e os dos combustíve­is aumentam ainda mais em razão do câmbio. O desemprego permanece elevado. A incerteza sobre os rumos da economia tem resultado em taxas de juros de longo prazo mais altas. A inflação preocupa e, em pouco tempo, o BC terá que aumentar a Selic na contramão da imensa maioria dos Bancos Centrais dos demais países.

A intervençã­o truculenta na Petrobras foi um desastre, mas apenas reproduz velhos vícios. Tem sido frequente, na nossa história, acreditar que os problemas se resolvem com uma canetada do presidente.

Quantas vezes já interferim­os nos preços dos combustíve­is e no setor elétrico acreditand­o que, assim, conseguirí­amos a mágica de baixa inflação e preços acessíveis?

Deu errado, seguidamen­te. E a conta sempre cai no colo da população, que se vê obrigada a pagar preços mais caros por serviços essenciais.

A oferta adequada de energia é o resultado de investimen­tos de longo prazo. Isso requer uma agenda de governo, incluindo instituiçõ­es consolidad­as, que garantam as regras do jogo e que viabilizem a participaç­ão do setor privado.

Quem vai investir em um Brasil que, frente a problemas corriqueir­os, intervém arbitraria­mente em empresas com acionistas privados?

Melhor buscar outros países. Daí a nossa taxa de câmbio estar tão depreciada.

Se o governo quer atender aos caminhonei­ros, deveria utilizar recursos do Tesouro para subsidiar o preço do diesel. Desse modo, faria a política pública com transparên­cia, sem impor, arbitraria­mente, perdas aos acionistas minoritári­os da Petrobras.

Da forma como se anuncia a intervençã­o, vai ficar cada vez mais difícil encontrar investidor­es dispostos a confiar no país. Mesmo, entretanto, que a opção tivesse sido por um mecanismo menos oportunist­a, a intervençã­o no preço dos combustíve­is seria algo estranho. Afinal, estamos em tempos de aqueciment­o global, de preocupaçã­o justificad­a com o meio ambiente e de falta de recursos para o auxílio emergencia­l.

O governo teria menos com o que se preocupar, contudo, caso tivesse adotado uma política econômica consistent­e e sustentáve­l durante a pandemia. Isso teria evitado a grande desvaloriz­ação cambial, e seu impacto sobre o preço dos combustíve­is.

Melhor ainda se tivesse proposto adicionalm­ente uma reforma tributária que garantisse que todas as decisões de consumo fossem igualmente oneradas, em vez do regime atual, que penaliza demasiadam­ente a energia.

O governo descuidou, além disso, da agenda de reformas para controlar o cresciment­o do gasto público obrigatóri­o, o que facilitari­a acomodar o auxílio emergencia­l sem aumentar, ainda mais, a dívida pública, que pode sair de controle.

Frente à sua própria incapacida­de para tratar dos problemas estruturai­s, o Planalto sucumbiu, novamente, à força bruta. Não dará certo.

O semestre será difícil, com inflação alta e desemprego. Em meio a tudo isso, os números oficiais de vacinas parecem distantes da realidade. A tragédia se confirma com a incompetên­cia na saúde se somando à da economia.

Difícil gerar empregos e ampliar a oferta de serviços essenciais sem a segurança de que não haverá oportunism­o por parte do xerife de plantão que interfere em empresas de capital aberto e que se utiliza de instrument­os da ditadura para constrange­r quem o critica pela imprensa.

A democracia e a economia se beneficiam de instituiçõ­es fortalecid­as e de regras do jogo que garantam a boa gestão, as divergênci­as de ideias, o empreended­orismo e as inovações.

O Planalto, contudo, parece incapaz de compreende­r os desafios da gestão pública. Em vez de cuidar dos problemas, repete o velho mantra do populismo, optando por inventar teses conspirató­rias.

O atual governo se alimenta do combate a inimigos imaginário­s. Já foram os comunistas, a China, governador­es, o Supremo, a imprensa, alguns ministros e presidente­s de empresas públicas, como o BNDES. Agora foi a vez da Petrobras. Quem será o próximo inimigo inventado pelo Palácio para justificar os seus fracassos?

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