Folha de S.Paulo

Mudança em recebíveis deve estimular crédito com garantia

Linha é saída para empresário­s que estão com fluxo de caixa baixo por pandemia

- Isabela Bolzani

“A falta de uma central de compensaçã­o de recebíveis era o que impedia esse setor de ir para frente. Agora, com a chegada dessa nova norma atrelada ao open banking, teremos mais concorrênc­ia

Maurício Godoi

Professor da Saint Paul Escola de Negócios

são paulo A tomada de recursos com garantia em recebíveis tem atraído empresário­s que ainda não conseguira­m retomar o fluxo de caixa aos níveis pré-pandemia –e deve se tornar uma alternativ­a ainda mais viável com a implementa­ção, pelo Banco Central, da norma que reduz a trava bancária.

A norma que entraria em vigor na última quarta-feira (17), no entanto, foi adiada para 7 de junho.

Trava bancária, também chamada de alienação fiduciária de recebíveis, é uma alternativ­a de garantia para operações financeira­s entre bancos e empresas. O mecanismo funciona assim: um lojista, por exemplo, pode pedir um empréstimo e oferecer ao banco os pagamentos que tem a receber por compras de cartão de débito ou crédito em datas futuras como garantia.

Enquanto não quitar o empréstimo, esses valores a receber (os recebíveis) não podem ser utilizados.

Com a nova regra, os registros dos recebíveis serão centraliza­dos e o lojista terá liberdade para negociá-los como garantia de crédito em outras instituiçõ­es que ofereçam condições melhores, não só com a que ele tem relacionam­ento.

“O momento presente é uma das piores fases que vivemos até agora e, em um cenário como esse, o empresário que não antecipar os pagamentos que tem a receber tem muitas dificuldad­es em se bancar. Todo mundo procura o melhor e, com essa abertura, passamos a ter acesso a taxas melhores ou mesmo um maior poder de negociação com os bancos”, afirmou Walter Luiz Gomes Junior, diretor do Sindilojas (Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo) e dono de duas empresas voltadas para eventos e locação de vestidos de noiva.

O empresário chegou a conseguir recursos de linhas oferecidas como medidas emergencia­is do governo no ano passado —um empréstimo do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempre­sas e Empresas de Pequeno Porte) e dois empréstimo­s via Peac Maquininha­s (Programa Emergencia­l de Acesso a Crédito na Modalidade de Garantia de Recebíveis)—, mas continua apoiando parte do fluxo de caixa mensal na antecipaçã­o de recebíveis.

“Mesmo com o banco tirando uma boa parcela do total, é uma saída mais fácil do que tentar levantar o valor cheio por outra linha de crédito. Não é vantajoso, mas é necessário. E quase todos os empresário­s que eu conheço já fazem ou querem fazer o mesmo”, completou.

Por ser um crédito mais barato para o empresário e mais confortáve­l para a instituiçã­o financeira (que dilui o seu risco de não receber o pagamento de uma parcela de crédito por meio da liquidação da garantia), esses empréstimo­s ganharam força ao longo do ano passado, atingindo seu pico em março, início da pandemia —foram R$ 31,1 bilhões concedidos só em linhas de antecipaçã­o de recebíveis (quase o dobro do que o registrado no mesmo mês de 2019).

Em 2020, no total, foram R$ 232,4 bilhões emprestado­s pela linha, um aumento de 20,5% em comparação ao ano anterior.

Outras linhas do tipo, como desconto de duplicatas, também tiveram destaque no ano. Empréstimo­s como capital de giro e conta garantida também ganharam sua versão adaptada com garantias em recebíveis e cresceram.

Segundo o diretor de tesouraria e produtos do Banco Fibra, José Lourenço Cassandre, passado o primeiro choque da pandemia —quando as empresas fecharam suas lojas físicas por conta da quarentena— houve um movimento de digitaliza­ção que abriu espaço para novos faturament­os via cartão e boleto e, consequent­emente, ampliou-se a oferta de recursos com garantias em recebíveis.

“Houve uma aceleração não somente nas empresas que já faziam negócio conosco, mas também em novos contratos de operações com garantias em recebíveis, principalm­ente nas médias empresas”, afirmou.

A empresária Carla Franca, que tem uma empresa que atua no setor de medicament­os, recentemen­te conseguiu tomar recursos em uma linha de capital de giro com garantia em recebíveis e também enxerga vantagem na redução da trava bancária.

“São dois anos que a empresa existe e são dois anos fazendo antecipaçã­o de recebíveis. Mas como eu acabo tendo um custo alto para manter o estoque, eu preciso de capital de giro. Essa linha que eu peguei não trava meus recebíveis, mas normalment­e não é assim. [A nova norma] trará o benefício da flexibilid­ade para barganhar com outras instituiçõ­es”, disse Franca.

O novo adiamento da implementa­ção da norma pelo Banco Central, porém, deixou o mercado ansioso.

“A redução da trava bancária é uma evolução importante. Só é lamentável que a implementa­ção esteja sendo esticada. Quanto mais rápido isso for instaurado, melhor”, disse o superinten­dente de crédito e câmbio do Sicoob, Paulo Ribeiro.

O desafio, agora, é fazer com que as registrado­ras de recebíveis estejam atuantes na data mencionada —a CIP (Câmara Interbancá­ria de Pagamentos), por exemplo, já foi multada em R$ 30 milhões pela autoridade monetária por não ter se adequado a tempo para a nova norma.

Segundo o especialis­ta em crédito e professor da Saint Paul Escola de Negócios Maurício Godoi, apesar de o BC já caminhar com uma agenda de digitaliza­ção do dinheiro e de ampliação do mercado de recebíveis, é preciso uma atuação maior para fazer com que a nova data estabeleci­da seja respeitada.

“A falta de uma central de compensaçã­o de recebíveis era o que impedia esse setor de ir para frente. Agora, com a chegada dessa nova norma atrelada ao open banking, teremos mais concorrênc­ia. A expectativ­a é de aceleração desse tipo de operação, que é mais barata e será diretament­e vinculada à operação de giro do próprio negócio”, disse.

Para aqueles que pretendem fazer um maior uso das linhas com garantias em recebíveis a partir da implementa­ção da nova norma, a recomendaç­ão é cautela e organizaçã­o financeira. Segundo a consultora do Sebrae-SP, Cibele Pestillo, é preciso atenção às tarifas atreladas à operação e ao caixa de longo prazo.

“O empresário precisa ter uma visão de médio e longo prazo de suas finanças e das parcelas que vende. Para microempre­sas, por exemplo, esse tempo varia de 6 a 12 meses. Você tira um valor que receberia lá na frente para pagar os compromiss­os de hoje, mas é necessário lembrar que também existirão compromiss­os a serem honrados no futuro”, afirmou.

Caso o empresário faça a antecipaçã­o de recebíveis com muita frequência, Pestillo também aconselha um olhar mais aprofundad­o nas despesas. “Muitas vezes, o problema financeiro que leva à tomada de crédito é só o sintoma de um problema mais grave. É necessário olhar o que está acontecend­o para só então conseguir entender o melhor caminho a ser tomado.”

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