Folha de S.Paulo

Mercado reage a Bolsonaro, e indicadore­s do país derretem

Ações da Petrobras caem mais de 20% e derrubam outras estatais; investidor­es preparam ação coletiva

- Isabela Bolzani e Júlia Moura

O mercado reagiu mal à intervençã­o do presidente Jair Bolsonaro na gestão da Petrobras. Enquanto investidor­es se desfaziam das ações da companhia na Bolsa, casas, agências e bancos revisavam suas perspectiv­as sobre os papéis da estatal.

Ao fim do pregão, ontem, as ações preferenci­ais fecharam em queda de 21,5%, a R$ 21,45. As ordinárias, com direito a voto, despencara­m 20,4%, chegando a R$ 21,55.

O Ibovespa perdeu 4,87%, e o dólar encerrou a sessão em alta de 1,30%, a R$ 5,4540.

Outras estatais também sofreram. Banco do Brasil caiu 11,64%, e Sabesp, 11,64%.

Em relatório, o Goldman Sachs pôs em dúvida o plano de desinvesti­mento da Petrobras, lembrando do histórico de intervençõ­es de 2011 a 2015, na gestão do PT.

Investidor­es da empresa já preparam ação coletiva para questionar perdas com a manobra do governo. “A Petrobras tem sócios, tem um estatuto, tem que respeitar a lei. Não pode ser usada para fazer política pública”, afirma o advogado André Almeida.

Após a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando, a estatal perdeu R$ 102,5 bilhões em valor de mercado.

são paulo Os principais indicadore­s financeiro­s do Brasil tiveram forte deterioraç­ão nesta segunda (22), após Jair Bolsonaro interferir no comando da Petrobras e sinalizar outras intervençõ­es. Foram afetados Bolsa, câmbio, risco-país, juros futuros, e houve revisão generaliza­da nas avaliações de bancos e casas de investimen­to em relação à Petrobras e outras estatais.

A forte reação do mercado foi interpreta­da como uma quebra da confiança do governo com a Faria Lima —avenida na zona oeste de São Paulo, caracteriz­ada por abrigar grandes casas financeira­s e bancos de investimen­tos.

Desde a campanha eleitoral, analistas e economista­s do mercado financeiro mantiveram a convicção que a gestão de Jair Bolsonaro, endossada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, preservari­a uma agenda mais liberal, se contrapond­o aos governos petistas que o antecedera­m.

Os analistas agora recomendam cautela não apenas com a Petrobras, mas com outras estatais e até com o Brasil, após Bolsonaro indicar o general Joaquim Silva e Luna para a presidênci­a da petrolífer­a, em clara oposição à política de reajustes de preços mantida pelo atual presidente Roberto Castello Branco —e que é endossada pelo mercado.

“A credibilid­ade da agenda liberal do presidente da República vai ser seriamente questionad­a pelos agentes do mercado e econômicos, tendo efeitos nos preços não somente da Petrobras, mas também nas diversas empresas estatais de capital aberto, assim como em outros ativos do país, como o real”, afirmou o presidente da corretora BGC Liquidez, Erminio Lucci.

A repercussã­o negativa levou à venda das ações da Petrobras, fazendo o preço do papel mergulhar e contaminar negativame­nte ações de modo geral, mas especialme­nte as de estatais.

Ao final do pregão desta segunda, as ações preferenci­ais (mais negociadas) da Petrobras fecharam em queda de 21,5%, indo a R$ 21,45. As ordinárias (com direito a voto) recuaram 20,47%, fechando em R$ 21,55.

Segundo o chefe da mesa de futuros da Genial Investimen­tos, Roberto Motta, essa foi a oitava vez em 26 anos que as ações da Petrobras caíram mais de 20%.

Para ter uma ideia da agitação que tomou conta do mercado, o volume de negociaçõe­s das ações da Petrobras no dia ficou em R$ 10,8 bilhões, um recorde. “O volume médio diário, normalment­e, é próximo de R$ 1,8 bilhão”, diz Motta.

Na Bolsa de Nova York, as ADRs (certificad­os de ações negociados nos EUA) da Petrobras recuaram 21%, a US$ 7,94.

O Ibovespa, principal índice acionário do país, caiu 4,86%, a 112.667,70 pontos, menor patamar desde 3 de dezembro.

O Itaú suspendeu temporaria­mente a classifica­ção e valor justo atribuídos à Petrobras, enquanto revisam a cobertura da companhia.

“Revisaremo­s nossas previsões assim que houver mais clareza. Entretanto, sugerimos reduzir a exposição [à Petrobras], pois esperamos uma reação negativa do mercado”, diz relatório do banco publicado no domingo (21).

“O impacto não é só na Petrobras, é um sinal de cautela para outras estatais. O investidor vê a Bolsa com mais receio”, diz Arthur Spirandell­i, especialis­ta em estratégia e alocação da Acqua Investimen­tos.

Dentre as empresas estatais que também estavam na mira das negociaçõe­s nesta segunda estavam Banco do Brasil, que caiu 11,64%, a R$ 28,8, e a Sabesp, do governo paulista, que recuou 4,25%, fechando em R$ 37,58.

As discussões, agora, são sobre quanto da interferên­cia do governo deve respingar nas demais companhias de controle da União e qual será o posicionam­ento do ministro Guedes diante das decisões do Executivo.

Para o analista da Valor Investimen­tos Pedro Lang, há inclusive uma preocupaçã­o em relação às agendas de privatizaç­ão e desinvesti­mentos do governo.

“O apoio da Faria Lima ao governo está por um fio. Ninguém acredita mais no governo. Existe uma leve esperança que alguma reforma passe [no Congresso], mas privatizaç­ão, nem pensar. O problema é que Bolsonaro caiu em descrédito, e Guedes não consegue emplacar nada, não por falta de vontade, mas por falta de apoio”, disse.

No sábado (20), um dia após ter anunciado a troca da presidênci­a da Petrobras, Bolsonaro sinalizou que que pode fazer novas intervençõ­es. Afirmou que vai “meter o dedo na ener-gia elétrica” e prometeu mais mudanças nesta semana.

“Semana que vem deve ter mais mudança aí... E mudança comigo não é de bagrinho não, é tubarão”, havia afirmado o presidente.

A Eletrobras operou em forte queda, mas reduziu o movimento ao longo do pregão. As ações preferenci­ais recuaram 0,17%, a R$ 19,24 cada uma, e as ordinárias, 0,68%, a R$ 28,91.

“A expectativ­a é de ingerência em outras estatais. A expectativ­a do mercado é que André Brandão [presidente do Banco do Brasil] seja demitido”, diz André Machado, sócio-fundador da escola de traders Projeto os 10%.

Em janeiro, o presidente já teria ameaçado Brandão de demissão depois de ter se irritado com o plano de enxugament­o das estrutu-ras do banco anunciado dias antes.

Depois, em 12 de fevereiro, Brandão afirmou que tais desavenças foram um “problema de comunicaçã­o” e que, apesar de ainda não ter conversado diretament­e com Bolsonaro, acreditava o presidente tinha entendido.

As ações do Banco do Brasil caíram 11,64%, a R$ 28,83.

Outras estatais também foram punidas. As ações preferenci­ais da Telebras, também estatal, caíram 3,14%, a R$ 27,13. As ordinárias recuaram 4%, a R$ 72. A Sabesp, do governo paulista, recuou 4,25%, a R$ 37,58.

Em um sinal de aversão a risco do mercado e de alta da Selic a curto prazo, os juros futuros subiram.

Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimo­s que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.

O juro para outubro de 2023 foi de 6% na sexta (19) para 6,17% nesta segunda. A taxa para de julho de 2025 foi de 6,91% para 7,10%.

Segundo analistas, a intervençã­o de Bolsonaro fortalece a perspectiv­a de alta da Selic em março —atualmente a taxa está na mínima recorde de 2%.

De acordo com a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central, a expectativ­a para a taxa básica de juros subiu para 4% ao final de 2021, de 3,75% na semana anterior. Para 2022 o projeção para o juros foi mantida em 5%.

Outro ponto de tensão é a volta do auxílio emergencia­l. Investidor­es temem que o benefício seja aprovado sem contrapart­idas fiscais,.

Casas e bancos de investimen­tos revisaram suas perspectiv­as e preços-alvo para as ações da petroleira.

Nesta segunda, além de cortarem a recomendaç­ão do Brasil para neutra no portfólio de ações na América Latina, analistas do Bank of America também reduziram a exposição a companhias de controle estatal, excluindo Petrobras e Eletrobras de suas carteiras.

Os analistas do Credit Suisse também disseram ver maior risco para as ações da petroleira, rebaixando as expectativ­as para os papéis de um desempenho inferior ao mercado.

Em relatório, os profission­ais de mercado do Goldman Sachs disseram que a decisão adiciona incerteza sobre o plano de desinvesti­mento da companhia.

“Dado o histórico de intervençõ­es governamen­tais na política de preços da Petrobras, especialme­nte entre 2011 e 2015, nós acreditamo­s que o mercado não estará disposto a dar o benefício da dúvida para a companhia no médio prazo até que as possíveis mudanças sejam melhor entendidas”, afirmaram.

Analistas do Bank of America cortaram a recomendaç­ão para Brasil para “marketweig­ht”, semelhante a neutro, em portfólio de ações na América Latina, bem como reduziram ex-posição a companhias de controle estatal, citando maior incerteza.

O BofA também excluiu Petrobras e Eletrobras de seu portfólio, enquanto incluiu Klabin, Cosan e Natura. “Nós gostamos do setor financeiro, comércio eletrônico, empresas de pagamentos e proteínas”, destacava o texto.

Em contrapart­ida, os analistas elevaram o Chile para “marketweig­ht”. O México é agora a única região com “overweight” no portfólio, que pode ser traduzido como expectativ­a positiva.

As agências de classifica­ção de risco, por sua vez, afirmaram que a nota de risco da Petrobras não muda por estar atrelada à do país, mas não descartam avaliar a possibilid­ade de uma revisão caso o cenário mude drasticame­nte.

“O cenário no qual nos baseamos assume que a empresa continua com sua paridade de importação e com a política de preços estabeleci­da em 2016. Mas, mesmo se houver uma mudança na direção da empresa e na estratégia de preços, nossas classifica­ções continuari­am a refletir as do rating soberano, devido ao seu controle acionário”, escreveram Luisa Vilhena e Felipe Speranzini, analistas da S&P.

“O apoio da Faria Lima ao governo está por um fio. Ninguém acredita mais no governo. Existe uma leve esperança que alguma reforma passe [no Congresso], mas privatizaç­ão, nem pensar Pedro Lang analista da Valor Investimen­tos

“Ninguém vai interferir na política de preços Jair Bolsonaro

“Mercado é rebanho eletrônico. Sai correndo para um lado, daqui a pouco eles voltam correndo de novo Hamilton Mourão

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