Folha de S.Paulo

Aconselhad­o, Huck flerta com siglas da esquerda à direita

Entusiasta­s de candidatur­a do apresentad­or ao Planalto se dividem entre pressão por decisão rápida e cautela sobre Bolsonaro e adversário­s

- Joelmir Tavares

Com cenário incerto para 2022 no campo de oposição a Jair Bolsonaro, Luciano Huck tem sido orientado tanto a esperar quanto a apresentar eventual candidatur­a tão logo possível. Ele tem dialogado com ao menos seis siglas, à esquerda e à direita.

são paulo A possível candidatur­a do apresentad­or Luciano Huck a presidente entrou em um momento decisivo sem consenso em seu entorno sobre prazos nem uma aproximaçã­o partidária definitiva.

Com as incertezas no cenário para 2022 e no campo de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o comunicado­r da TV Globo tem ouvido conselhos conflitant­es em relação ao timing para uma atitude sobre sua saída da emissora e sua filiação a uma legenda.

Uma parte do círculo de políticos, amigos e assessores que acompanha Huck defende que ele mantenha até o segundo semestre as conversas iniciadas nos últimos três anos e espere o quadro eleitoral ficar mais claro antes de se resolver.

A justificat­iva é a de que é preciso aguardar os efeitos que a pandemia da Covid-19 e a crise econômica terão sobre a popularida­de do governo. Além disso, observar os movimentos de adversário­s daria a ele nitidez maior sobre as condições da disputa.

O ex-ministro Sergio Moro (sem filiação partidária, assim como Huck) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), são vistos como précandida­tos que concorreri­am com o comunicado­r e empresário na faixa do eleitorado mais ao centro e moderado.

Outro raciocínio que chegou a Huck prega tese distinta: a de que, se ele quer mesmo se colocar como uma opção viável, deve se apresentar tão logo seja possível.

Entre os fatores que pesam em favor da ideia de botar logo o bloco na rua estão a urgência de organizar um partido ou coligação em torno de seu projeto, algo que inexiste hoje, e a necessidad­e de fazer a transição da imagem de artista para a de político.

Um dos exemplos usados para endossar esse ponto de vista é o passo dado neste mês pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que orientou o lançamento da pré-candidatur­a de Fernando Haddad, para que o partido não perdesse visibilida­de nas discussões sobre 2022.

Em suma, a divergênci­a ao redor de Huck se dá entre, de um lado, a visão cautelosa e otimista de que ele tende a se firmar como nome competitiv­o e ser “empurrado” pelas circunstân­cias; e de outro a constataçã­o pragmática da ausência de partido e de uma marca eleitoral forte. O prazo de filiação para quem quiser disputar as eleições termina em abril de 2022.

Enquanto o grupo de entusiasta­s analisa o timing, o comunicado­r adota distância regulament­ar do debate sobre sua possível candidatur­a, suas conexões políticas e a organizaçã­o da oposição. A atuação dele tem se limitado a conversas de bastidores e, em público, a manifestaç­ões pontuais em redes sociais e na imprensa sobre temas como a gestão da crise de saúde e a interferên­cia de Bolsonaro na Petrobras.

O comportame­nto impôs também um compasso de espera aos partidos com os quais o apresentad­or estreitou laços nos últimos tempos e que podem abrigar sua eventual campanha ou apoiá-lo.

O titular do Caldeirão do Huck tem proximidad­e, em diferentes níveis, com representa­ntes de ao menos seis siglas: Cidadania, PSDB, DEM, PSB, PSD e Podemos.

Todas elas figuram em especulaçõ­es no universo político como supostos destinos do comunicado­r, caso ele entre mesmo na vida pública. Oficialmen­te, nada é confirmado.

O Cidadania, que até pouco tempo atrás era tido como o mais forte nessa briga, perdeu espaço progressiv­amente para o DEM, que havia conquistad­o terreno a partir da relação amistosa entre Huck e Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados.

O flerte teve uma reviravolt­a com a crise aberta no partido a partir da eleição para o comando da Casa e os acenos que o ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, ACM Neto, fez ao Planalto.

Os diálogos com legendas mais à direita, como DEM e Podemos, e mais à esquerda, caso do PSB, lançaram questionam­entos sobre a amplitude ideológica dos interlocut­ores do apresentad­or.

Aliados, no entanto, respondem que ele busca falar com líderes de diferentes posições para compreende­r o chão em que está pisando e orientar sua tomada de decisão, quando chegar a hora.

A estrutura partidária da virtual candidatur­a poderia vir ainda da fusão de siglas afins, outra janela que se abriu nas últimas semanas.

Uma das poucas certezas nas falas de conselheir­os de Huck é a de que uma campanha teria como meta prioritári­a colar nele o selo de político de centro, em esforço para fugir de armadilhas ideológica­s.

Embora seja considerad­o obstáculo, o congestion­amento do chamado centro democrátic­o —com as pré-candidatur­as de Moro, Doria, Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM)— não é tratado como impeditivo, a priori.

Sempre com a ressalva de que pesquisas de opinião serão a baliza, pessoas que cercam o apresentad­or dizem ser possível que ele se disponha a enfrentar o ex-juiz da Lava Jato ou representa­nte tucano no primeiro turno, com a possibilid­ade de união no segundo.

Como a Folha revelou, Huck e Moro tiveram encontro em outubro e discutiram a formação de uma aliança eleitoral. Doria também procurou o exmagistra­do e tentou atrai-lo.

É ponto pacífico entre os “huckistas” a premissa de que sua hipotética campanha seria de oposição a Bolsonaro e deveria agregar forças contrárias ao presidente. Os cálculos, no entanto, indicam uma exclusão dos setores mais à esquerda, notadament­e o PT.

O núcleo com o qual o apresentad­or debate seu futuro reúne o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (ex-MDB, PSB e PSDB), os cientistas políticos Ilona Szabó e Leandro Machado (do Agora!, apoiado por Huck) e o empresário Eduardo Mufarej (da escola de formação de candidatos RenovaBR).

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, é interlocut­or frequente desde 2017 e o maior interessad­o em levá-lo para a legenda. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que constantem­ente inclui o novato no rol de “outsiders” viáveis, também é consultado.

Na seara econômica, o guru é o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga — que é colunista da Folha, assim como Ilona.

Uma equação que desemboque em resultado diferente do de 2018 —quando Huck considerou seriamente ser presidenci­ável, mas desistiu— envolve aspectos profission­ais, financeiro­s e familiares, para além das variáveis políticas. Antes de mais nada, é preciso que ele queira se candidatar.

Largar a Globo, onde desfruta de posição segura em audiência e faturament­o, e se jogar na imprevisib­ilidade das urnas são passos que representa­riam uma mudança radical.

A possibilid­ade que surgiu na TV com o anúncio da saída do apresentad­or Fausto Silva da grade dominical da Globo, no fim deste ano, também é mencionada na órbita de Huck como um assunto pendente, já que ele no passado vislumbrou ocupar o horário.

A Globo informou, via assessoria, que não detalha contratos nem comenta prazos ou negociaçõe­s de renovação. Disse que “a relação entre a Globo e seus talentos é privada” e não respondeu sobre a eventual candidatur­a de Huck. Procurado, o apresentad­or não se manifestou.

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Bruno Rocha - 25.set.2019/Fotoarena O apresentad­or Luciano Huck durante evento em SP

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