Folha de S.Paulo

NAS REDES SOCIAIS, BRASILEIRA­S FALAM SOBRE O DIA A DIA DAS MUÇULMANAS

- Diogo Bercito e Angela Boldrini

A empresária e influencer Mariam Chami, 30, na Ponte Hercílio Luz, ponto turístico de Florianópo­lis, onde mora; com vídeos bem-humorados, ela fala sobre o islã aos seguidores no Instagram, que em sua maioria não seguem a religião

washington e brasília Mariam Chami espalha as mãos diante da câmera, desenhando um arco-íris. Sorri e explica que não toma banho com hijab, o véu que cobre o cabelo. Depois, a brasileira de 30 anos começa a sambar. “Assim como vocês também não tomam banho com roupa”, escreve.

Com vídeos bem-humorados como esse, Chami fala sobre o islã a seus 370 mil seguidores no Instagram. Não discute dogma nem cita passagens de livros sagrados. Em vez disso, enfatiza as semelhança­s entre as religiões. A mensagem, em resumo, é que ela é uma brasileira como as outras. “Uma informação que vai chocar: nós tomamos banho peladas!”, brinca.

Chami é filha de um migrante libanês e de uma mineira convertida ao islã. Mora em Florianópo­lis com o marido e o filho. Formada em nutrição, virou empresária e é dona da rede de sorveteria­s Lambuzza —trocadilho com a palavra árabe “buza”, sorvete.

Ela começou a falar sobre o islã quando percebeu que estava ganhando cada vez mais seguidores na rede social. A maior parte deles não eram muçulmanos e tinham curiosidad­e para saber mais sobre a vida de uma mulher que segue o islã em um país de maioria cristã. Chami responde às perguntas em vídeos divertidos, às vezes cheios de sarcasmo. Uma grande parte das dúvidas é sobre o véu. Os seguidores querem saber por que ela cobre o cabelo, se pode tirar o véu na frente do marido e se pode tomar banho com ele —daí o vídeo.

Não há intuito de convencer ou converter ninguém, diz. “O objetivo é desmistifi­car, explicar o que é o islã.” No meio do caminho, cortar alguns dos estereótip­os que ainda ferem mulheres como ela.

“As pessoas acham que a mulher muçulmana não tem voz, que não pode estudar, que é submissa, que o marido é soberano”, afirma. Ela própria sofreu com isso. Conta, por exemplo, que penou em conseguir emprego depois de se formar porque usa o véu islâmico.

Virou empresária e influencer. Encontrou, no Instagram, um espaço para falar sobre tabus. Nessa rede, Chami diz que raramente tem de lidar com agressores virtuais, os chamados “haters”. “As pessoas são muito amorosas, educadas. Querem aprender. Se desconstru­ir.”

Shadia Salamah é outra que compartilh­a a rotina com seus seguidores —são 235 mil no TikTok. Como tem 18 anos, Salamah precisou convencer os pais a deixá-la usar as redes sociais enquanto se prepara para o vestibular. “Foi um pouco difícil fazer meu pai entender a importânci­a do que eu estava fazendo, que não era só por mim. Depois, ele viu que eu conseguia estudar também.”

Como o de Chami, seu público é quase todo de não muçulmanos. Por isso, parte de suas publicaçõe­s são didáticas. Recentemen­te, explicou por que as mulheres costumam rezar atrás dos homens. Por respeito, disse. Muçulmanos se curvam, põem a cabeça no chão, o joelho no peito. “Você imagina ter que ficar nessa posição na frente de homens que você não conhece?”

Já o foco de Carima Orra é diferente: em suas postagens, praticamen­te não aborda temas religiosos. “Prefiro mostrar o dia a dia, porque é isso que as pessoas querem ver. Elas querem saber se tudo que ouvem é verdade”, afirma. Mãe de três meninos, tem 158 mil seguidores —90% não-muçulmanos, segundo sua conta. “Não sou expert, eu só sigo a religião. Então eu fico até meio receosa de falar alguma coisa, porque eu estou representa­ndo milhões de muçulmanos para esse público.”

Ela diz que já foi alvo de intolerânc­ia religiosa, mas que nas redes sociais os ataques são muito menos intensos. “Na época do 11 de Setembro foi muito ruim. Me chamavam de mulher-bomba. Hoje eu sinto que diminuiu, as pessoas estão menos preconceit­uosas.”

Além de Chami, Salamah e Orra, uma outra brasileira muçulmana tem atraído seguidores nas redes: a alagoana Iris Cajé, 32, que vive na Arábia Saudita. Mas ela tem uma abordagem mais reservada. No YouTube e no Instagram, fala menos de sua vida. Foca os costumes sauditas.

Há dois anos, conta, ela notou que havia diversos canais no YouTube sobre o Oriente Médio, só que com enfoque em questões negativas como terrorismo e extremismo religioso. “Pensei: por que não aproveitar que eu estou aqui e posso falar com propriedad­e sobre o dia a dia?”.

Cajé vive em Meca desde 2014. Havia conhecido um homem saudita durante um intercâmbi­o na Nova Zelândia. Deixou o curso de direito, converteu-se ao islã, casouse e teve dois filhos. Diz que a conversão não foi por influência dele, e sim de uma amiga, uma outra brasileira. Tinha tido uma criação católica.

Como as demais, Cajé diz que um dos objetivos do canal é mudar a ideia que as pessoas têm sobre a vida das muçulmanas. “Quero acabar com essa coisa de que a mulher saudita é só um objeto de decoração, que não pode fazer nada”, diz. E ela faz isso com bastante bom humor.

Em uma publicação recente, mostra uma foto de seu marido com vestes tradiciona­is sauditas. Imitando um vídeo que viralizou na internet, ela conta que chegou a dizer “dessa água não bebereis” quando o conheceu. Depois, passa imagens dela de véu na Arábia Saudita. “Bebi a água, me afoguei na água, tomei banho na água, estou morando em um continente submerso na água, comprei um maiô e falei para os meus amigos me chamarem só de Aquaman agora.”

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Anderson Coelho/Folhapress
 ?? Anderson Coelho/Folhapress ?? A brasileira Mariam Chami faz selfie na Ponte Hercílio Luz, em Florianópo­lis, onde mora; filha de libanês, fala com bom humor sobre o islã
Anderson Coelho/Folhapress A brasileira Mariam Chami faz selfie na Ponte Hercílio Luz, em Florianópo­lis, onde mora; filha de libanês, fala com bom humor sobre o islã

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