Folha de S.Paulo

Desorganiz­ação letal

Sobre piora da epidemia e problemas na vacinação.

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Em várias partes do país soam alarmes de aceleração da doença causada pelo coronavíru­s. O estado de São Paulo acaba de bater o recorde de internaçõe­s pela moléstia infecciosa em unidades intensivas desde o início da pandemia.

No pico anterior, em julho de 2020, o estado mais populoso do Brasil registrou 6.257 pessoas hospitaliz­adas simultanea­mente em UTIs em razão da Covid-19. Nesta segunda (22), foram 6.410.

Em Araraquara, a escalada de pacientes acorrendo aos hospitais levou a prefeitura a decretar um lockdown —o recolhimen­to obrigatóri­o, sob pena de multa, dos cidadãos em suas casas, excetuadas situações excepciona­is. Outras cidades, como Campinas e São Bernardo, flertam com o colapso.

No Brasil tomado em conjunto, os dados não são melhores. Há um mês, os óbitos diários em decorrênci­a da Covid-19 mantêm-se acima de mil. Num ano normal, morrem no Brasil cerca de 3.800 pessoas em média por dia, de todas as causas. A virose epidêmica hoje responde por 1 em cada 4 óbitos.

As razões do descontrol­e já foram exaustivam­ente debatidas e estão associadas à desídia do presidente da República. Além de boicotar as ações sanitárias, o governo não se preparou para ter vacinas com rapidez e em volume suficiente para domar a pandemia.

E o pior é que a gestão não dá sinais de aprender com seus erros.

Demorou demais até Ministério da Saúde, em desorganiz­ação criminosa, orientar estados e municípios a administra­rem todas as doses disponívei­s, em vez de reservarem metade para a segunda aplicação à frente. A epidemia galopante obviamente justifica dobrar o número de imunizados com uma dose no curtíssimo prazo.

Os trâmites para a obtenção e o fabrico de imunizante­s, bem como os critérios de distribuiç­ão do ralo estoque, continuam envolvidos numa atmosfera cartorial e burocrátic­a. A Fiocruz começará a ter regularida­de na distribuiç­ão apenas na segunda quinzena de março, na melhor das hipóteses. Picuinhas nacionalis­tas emperram acordos com firmas farmacêuti­cas.

O volume de doses administra­das no Brasil abrange cerca de 3% da população, ante 15% no Chile. Os EUA, desprovido­s de sistema público como o SUS, aplicam a cada quatro dias a quantidade de vacinas que o governo brasileiro levou mais de um mês para inocular.

Reino Unido e Israel, na vanguarda da vacinação mundial, já começam a esvaziar hospitais e a planejar a volta gradual à vida normal.

Enquanto isso, o Brasil caminha na contramão, com o contágio acelerado por variantes mais infecciosa­s, a brutal carência de vacinas e a exaustão de serviços hospitalar­es. Desorganiz­ação mata.

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