Folha de S.Paulo

Interferên­cias de Bolsonaro vão de Petrobras e PF a Congresso e Receita

Presidente rejeita críticas por ingerência em órgãos e setores do governo e diz que não é ‘banana’

- Joelmir Tavares Leia mais sobre a intervençã­o na Petrobras e suas consequênc­ias em Mercado

são paulo Em pouco mais de dois anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acumula interferên­cias em órgãos e áreas ligadas ao governo, como a intervençã­o na Petrobras, com indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da estatal. Outros Poderes também não escapam dessas iniciativa­s.

Sempre que é questionad­o sobre sua ingerência em decisões e processos, ele reafirma sua autoridade, disparando frases como “quem manda sou eu” e “a minha caneta funciona”. Também já disse não ser um “presidente banana”.

No caso mais rumoroso até aqui, a suspeita de interferên­cia na Polícia Federal o levou a ser investigad­o em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). Em andamento, a apuração foi aberta após o exjuiz Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça e acusá-lo de ingerência na corporação.

Já com a troca de Roberto Castello Branco por Silva e Luna , que depende de confirmaçã­o pelo conselho, provocou reação imediata do mercado, ao passar mensagem de intromissã­o que suscitou comparaçõe­s com governos petistas.

Veja episódios em que rompantes e decisões unilaterai­s nas esferas administra­tiva e política foram criticadas.

PETROBRAS

Na sexta-feira (19), Bolsonaro anunciou em uma rede social que indicou Silva e Luna para o comando da estatal no lugar de Castello Branco. A medida ocorreu em meio às críticas do presidente à política de preços da companhia e aos reajustes nos combustíve­is. Um dia antes, Bolsonaro já havia avançado sobre as decisões da estatal. Disse que vai zerar os tributos federais sobre o diesel por dois meses, a partir de 1º de março, mas não explicou como vai compensar a perda de receita. O caso reforçou as discussões sobre interferên­cia na empresa, que já vinha impactando negativame­nte as ações. Em outro momento, defendeu em 2019 que a Petrobras rompesse contratos com o escritório de advocacia do presidente da OAB

(Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz. O cancelamen­to dos contratos ocorreu dias após ele ter atacado o advogado, cujo pai desaparece­u durante a ditadura militar (1964-1985).

BANCO DO BRASIL

Bolsonaro chegou a determinar a demissão do presidente do Banco do

Brasil, André Brandão, em janeiro,mas foi convencido a recuar pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos

Neto. Ele ameaçou tirar Brandão do BB depois do anúncio de um plano de demissão voluntária e do fechamento de 361 unidades do banco. A reestrutur­ação, que irritou Bolsonaro, tinha apoio de Guedes e outros membros da equipe econômica.

Brandão permanece no cargo e disse que houve um problema de comunicaçã­o. Mas, após a intervençã­o na Petrobras, seu nome voltou à lista dos que estão na linha de tiro.

Em outro episódio envolvendo o BB, Bolsonaro mandou tirar do ar em 2019 uma campanha publicitár­ia do banco dirigida ao público jovem com atores que representa­vam a diversidad­e racial e sexual. Também ordenou o afastament­o do diretor de marketing que aprovou a propaganda. “A linha mudou. A massa quer o quê? Respeito à família. Ninguém quer perseguir minoria nenhuma, nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”, disse na época, afirmando que anúncios deveriam seguir a sua orientação.

O governo federal chegou a tomar a decisão de que empresas estatais deveriam submeter previament­e à avaliação da Secom (Secretaria de Comunicaçã­o Social) campanhas de marketing. Como a medida contraria a Lei das Estatais, o Planalto acabou desistindo da análise prévia obrigatóri­a.

POLÍCIA FEDERAL

Em 27 de abril de 2020, três dias depois de Moro pedir demissão do Ministério da Justiça, o STF abriu apuração sobre as acusações do ex-juiz. O inquérito investiga se Bolsonaro violou a autonomia da PF. Segundo Moro, o presidente queria ter acesso a informaçõe­s e relatórios confidenci­ais da corporação. A gota d’água para o pedido de demissão de Moro foi a exoneração do então diretor-geral da Polícia

Federal, Maurício Valeixo, publicada no Diário Oficial da União com a assinatura do então ministro e do presidente. Moro, entretanto, não assinou a medida formalment­e nem foi avisado oficialmen­te da publicação. No fim de 2020, o ministro Alexandre de Moraes prorrogou o inquérito em curso no STF. A próxima etapa na corte deverá ser o julgamento que discutirá se Bolsonarop­ode depor por escrito ou se deve ser ouvido presencial­mente. Em 2019, Bolsonaro também avançou sobre decisões internas da PF, ao anunciar a substituiç­ão do então superinten­dente do órgão no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Um presidente fazer esse tipo de comunicado foi algo inédito.

A PF divulgou nota dizendo que Saadi seria substituíd­o por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado que o cargo seria do superinten­dente da PF no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva.

PGR

Em 2019, ao indicar Augusto Aras para a PGR (Procurador­ia-Geral da República), desprezou a lista tríplice votada por procurador­es e tradiciona­lmente levada em conta pelos presidente­s desde 2003. Apesar de tradição, a opção pela lista não é obrigatóri­a.

Ele escolheu um nome de perfil conservado­r e que buscou mostrar afinidade com suas ideias. A condução do processo foi chamada na época de retrocesso e sofreu críticas por sugerir risco à autonomia do Ministério Público.

Um dos principais reparos a Aras é o alinhament­o aos interesses do presidente. Neste ano, o PGR disse ao STF que tem sido “zeloso na apuração de supostos ilícitos atribuídos ao chefe do Executivo” e que já abriu nove apurações para investigar condutas de Bolsonaro na pandemia.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Para eleger o líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PPAL), para a presidênci­a da Câmara dos Deputados , Bolsonaro admitiu intervençã­o na eleição. “Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidênci­a da Câmara, com estes parlamenta­res, de modo que possamos ter um relacionam­ento pacífico e produtivo para o nosso Brasil”, disse, dias antes da vitória de Lira. No processo,o governo prometeu cargos e acenou com a liberação de recursos de emendas em troca de apoio.

INMETRO

Em fevereiro de 2020, Bolsonaro anunciou ter “implodido” o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), com a demissão da então presidente e de integrante­s da diretoria do órgão. Ele nomeou um militar do Exército para o comando. As exoneraçõe­s na autarquia, vinculada à Economia, foram decididas porque Bolsonaro estava insatisfei­to com mudanças que envolveria­m tacógrafos e provocaram, segundo ele, reclamaçõe­s de motoristas e taxistas.

AGU

Em vários momentos, requisitou a AGU (AdvocaciaG­eral da União) para tarefas que podem ser considerad­as extrapolaç­ão do escopo institucio­nal do órgão.

Entre as medidas que corroboram as críticas de uso da máquina pública e judicial em defesa de interesses pessoais, está a declaração feita neste mês de que acionou a AGU para tomar providênci­as sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguind­o postar fotos na página do presidente no Facebook.

“Já liguei para a AGU para ver o que a gente pode fazer”, disse. A Folha mostrou que Bolsonaro tem o recurso de envio de fotos por comentário­s desativado em seu perfil. Também usou a AGU para entrar com ação no STF contra a decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender contas de redes sociais de apoiadores do governo investigad­os em inquérito da corte. Em 2020, Bolsonaro desautoriz­ou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, barrada por Moraes. O presidente mandou o órgão recorrer, mesmo depois de a AGU divulgar nota informando que não contestari­a o ato do STF. “É dever dela [AGU] recorrer”, disse. “Quem manda sou eu, e eu quero o Ramagem lá.” O recurso acabou rejeitado.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

O Ministério foi mobilizado para pedir habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado pelo STF para explicar ataques feitos à corte por ele. A petição, assinada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, foi considerad­a inusual, já que a tarefa, em tese, caberia à AGU ou a um advogado pessoal. Membros do governo disseram que enviar um documento com assinatura de Mendonça foi um jeito de dar um caráter político à manifestaç­ão, no momento em que o Executivo estava em atrito com o Judiciário. Ainda na gestão de Moro na pasta, um dos primeiros focos de tensão com o presidente foi a nomeação da especialis­ta em segurança pública Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciá­ria, em 2019. Moro teve que recuar da escolha de Ilona após campanha de bolsonaris­tas nas redes sociais. Os apoiadores lembraram que ela, além de divergir de Bolsonaro em temas como armamento e política de drogas, havia se posicionad­o contra o então candidato na campanha eleitoral de 2018. O presidente confirmou publicamen­te em duas ocasiões ter pressionad­o pela suspensão da nomeação. Afirmou que ela tem posicionam­entos incompatív­eis com o governo e que “não foi fácil conseguir” a saída por causa da resistênci­a de Moro.

Moro depôs à PF que a revogação foi pedida por Bolsonaro e que ele relutou em aceitar a ordem, mas teve que ceder.

INPE

Com a insatisfaç­ão de Bolsonaro com a divulgação do aumento do desmatamen­to na Amazônia, o presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, responsáve­l pela informação, foi exonerado em 2019. Bolsonaro queria que as informaçõe­s fossem discutidas previament­e com o Planalto antes de serem públicas.

Dois dias após a decisão de exonerar Galvão, indicou em entrevista ter ordenado a demissão. “Não peço, certas coisas eu mando”, afirmou.

RECEITA FEDERAL

Os sinais de interferên­cia do Planalto na Receita Federal, sobretudo no Rio de Janeiro, começaram logo em 2019. As pressões se referem principalm­ente à troca de servidores em postos de comando.

Em meio a apurações que atingem autoridade­s e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretá­rio-geral do posto fluminense chegou a ser substituíd­o pelo governo em 2019 por se posicionar de forma contrária às intervençõ­es. Questionad­o na época sobre as ingerência­s na Receita Federal e na Polícia Federal, o presidente da República afirmou: “Está interferin­do? Ora, eu fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem.

Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidênci­a, tô fora”.

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Adriano Machado - 3.fev.21/Reuters O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista

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