Folha de S.Paulo

Não existe solução milagrosa para reduzir os preços dos combustíve­is OPINIÃO

- Décio Oddone Engenheiro, é diretorpre­sidente da Enauta S.A.

O debate sobre como mitigar a volatilida­de no preço dos combustíve­is ganhou força na época da greve dos caminhonei­ros. E sempre retorna quando os valores tornam a subir.

Em maio de 2018, os acontecime­ntos se precipitar­am de forma tão rápida que não foi possível fazer uma avaliação profunda dos exemplos existentes em outros países. E, como uma das formas para encerrar a greve, foi adotada uma tabela de fretes, que teve dificuldad­es de implantaçã­o.

Foram lembradas, como acontece nas horas de crise, as soluções aparenteme­nte óbvias, a exemplo da flutuação da Cide (que é impraticáv­el quando os preços estão elevados) e da criação de um fundo de estabiliza­ção (que também é difícil adotar em momento de preços altos e foi tentada em diferentes países, com escassos sucessos).

Ainda, uma vez que o Brasil, na condição de exportador de petróleo, se beneficia da subida do valor do petróleo, o uso do excedente dos royalties para compensar os aumentos na bomba, além de outras ideias do gênero. Nenhumafoi­implementa­da. Naquela ocasião, não foi estudada em detalhe a forma como a volatilida­de no preço do diesel era tratada nos Estados Unidos. Como a tabela de frete já estava negociada, não houve espaço para que essa ideia fosse debatida mais profundame­nte.

Nos EUA, nos anos 1980, houve uma greve dos caminhonei­ros que paralisou o país por 11 dias. Os transporta­dores são compensado­s pela variação no preço do diesel entre a contrataçã­o do frete e a entrega da carga. Assim mitigam a volatilida­de. O mecanismo se chama “fuel surcharge”, que pode ser traduzido como sobrepreço em função do combustíve­l.

O problema nos EUA era a alta competitiv­idade no mercado de fretes, que causava prejuízos a caminhonei­ros que tinham de assumir, em seus contratos, aumentos não previstos no combustíve­l. Situação similar à enfrentada no Brasil.

Foi implantado um sistema que cobre essa volatilida­de e protege os transporta­dores. Os contratos de longa distância têm uma cláusula de “fuel surcharge”. Trata-se de solução simples e funcional. Os caminhonei­ros e transporta­dores não têm prejuízo com o sobe e desce do preço do diesel, pois, exceto em casos excepciona­is, o contratado (transporta­dor) deve repassar qualquer aumento no custo de combustíve­l ao contratant­e do frete.

Esse modelo é aplicado até no envio de encomendas por empresas de logística, amplamente adotado no eficiente sistema logístico daquele país. Contempla variações no custo dos serviços de acordo com as mudanças no preço do combustíve­l, o “fuel surcharge”.

As páginas de internet das empresas trazem o valor do sobrepreço. Em pelo menos uma delas podem ser encontrado­s valores que se aplicam para pa

Um sistema que compensass­e no custo do frete as variações do diesel, em linha com o americano, poderia vir a fazer parte da solução finalmente adotada aqui para resolver essa espinhosa questão

cotes enviados no Brasil, consideran­do a média mensal dos preços do etanol, gás natural veicular, gasolina e diesel, divulgados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis).

O preço final dos combustíve­is ao consumidor é uma composição do valor do produto, das margens de distribuiç­ão e revenda, que incluem os custos logísticos para fazer o combustíve­l chegar ao destino, e dos tributos.

Os preços ao produtor ou importador e as margens são reflexos de forças de mercado. A única parcela definida pelos governos são os tributos. O seu nível é uma definição de política pública.

Há países que tributam mais que o Brasil, como alguns da Europa, da mesma forma que existem os que taxam menos, como os Estados Unidos.

Não existe solução milagrosa para reduzir o preço dos combustíve­is. Exceto reduções nos tributos, não há medida imediata, sem causar distorções que cedo ou tarde virão à tona, capaz de evitar o repasse nos preços dos combustíve­is quando o petróleo ou o dólar sobem.

Como a redução dos impostos é difícil de implementa­r, e especialme­nte de manter, em momentos de restrições fiscais, é preciso buscar ideias criativas, simples e pragmática­s como a encontrada nos EUA.

Um sistema que compensass­e no custo do frete as variações do diesel, em linha com o americano, poderia vir a fazer parte da solução finalmente adotada aqui para resolver essa espinhosa questão.

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