Folha de S.Paulo

Ariel Holan terá no Santos maior desafio de sua carreira

Técnico argentino, que começou no hóquei, foi anunciado para o lugar de Cuca

- Bruno Rodrigues e Klaus Richmond

são paulo e santos Ariel Enrique Holan, 60, recebeu do Defensa y Justicia, no dia 11 de junho de 2015, o convite pelo qual aguardou por toda uma vida.

De forma aparenteme­nte tardia e improvável, aos 54 anos, Holan tinha no clube a chance de realizar o primeiro trabalho como técnico de uma equipe profission­al de futebol. Poucas horas após a confirmaçã­o, ao abrir o Twitter, ele se assustou com a repercussã­o negativa.

“Primeiro veio [Darío] Franco, depois [José “Turu”] Flores e agora um treinador de hóquei. O próximo treinador será o delegado de Varela?”, postou um torcedor.

A menção foi uma ironia aos seguidos fracassos em apostas de pouco nome por parte do clube de Florencio Varela, província de Buenos Aires, e ao passado de mais de duas décadas de Holan como treinador de hóquei sobre a grama.

Além de uma medalha de bronze dirigindo a seleção uruguaia da modalidade nos Jogos Pan-Americanos de 2003, não havia grandes feitos públicos no currículo. No futebol, sua experiênci­a era de 12 anos de trabalhos como assistente ou analista de vídeos, sem maior destaque.

Anunciado nesta segundafei­ra (22) como novo técnico do Santos, Holan deixou para trás um passado de desconfian­ças e chega à Vila Belmiro com alta expectativ­a em um clube que vive grave crise financeira e não poderá mais contar com Cuca, referência de uma retomada improvável na última temporada.

O técnico, segundo pessoas com quem conviveu na carreira, tem como melhor definição nos últimos anos a de que “segue calando críticas”.

Do Defensa y Justicia, Holan foi para o Independie­nte, clube pelo qual conquistou o título da Copa Sul-Americana, em 2017. Ao sair de lá, ele foi especulado em times brasileiro­s, mas ficou sete meses longe do futebol, de maio a dezembro de 2019.

Aceitou ir para o Chile e terminou a passagem pela Universida­d Católica como campeão chileno, alvo de elogios do presidente Juan Tagle. O técnico preferiu ativar nos últimos dias uma cláusula rescisória no contrato para deixar o clube de Santiago.

“Sem dúvida foi um ano que me fez crescer e, também, reafirmou a conclusão a que cheguei há muito tempo: de que o meu maior desafio como treinador é o cresciment­o dos meus jogadores e da minha comissão técnica”, disse em recente depoimento ao site The Coaches Voice.

Holan se tornou um especialis­ta em contrariar expectativ­as, críticas e deboches contra seus métodos pouco convencion­ais. Na Argentina, ficou marcado pelo entusiasmo com o uso de tecnologia nos treinament­os, bagagem que carrega desde os tempos do hóquei, quando vendeu um carro para comprar 20 relógios da marca Polar S610 e mapear o desempenho de suas jogadoras.

No futebol, passou a usar drones para filmar as atividades de uma perspectiv­a aérea, além de aparelhos de GPS para medir o desempenho dos atletas durante os jogos. Chegou a ter uma equipe de 12 pessoas apenas para analisar os dados estatístic­os. “Aprendi a usar tudo isso no hóquei”, afirma o treinador.

“[Holan] é um grande treinador, uma pessoa extremamen­te meticulosa, que sabe trabalhar muito bem em todos os aspectos do jogo. Ele acaba empoderand­o os jogadores porque os ajuda a melhorar”, diz à Folha o zagueiro argentino Tomás Cardona, dirigido por Holan no Defensa y Justicia e atualmente no Las Palmas, da Espanha.

“É uma pessoa muito trabalhado­ra, que analisa muito os rivais. Trabalha insistente­mente na parte tática, seus times são muito verticais. Estive com ele no Defensa y Justicia e no Independie­nte, sempre com a mesma ideia que trabalho. Ele nos ensinou muito a jogar de igual para igual contra qualquer time”, afirma o também defensor argentino Damián Martínez, atualmente no Rosario Central.

Holan gosta tanto de tecnologia que em um período de desemprego vendeu o carro para comprar um computador Macintosh. Steve Jobs, fundador da Apple, é um dos seus ídolos.

O técnico chega ao Santos ciente da realidade do clube. No Chile, para triunfar, precisou vencer a perda de pilares da equipe, como o zagueiro Benjamín Kuscevic, negociado com o Palmeiras, e o volante César Pinares, com o Grêmio. O mesmo pode ocorrer no Santos, com a possibilid­ade da perda de nomes como Yeferson Soteldo e Marinho.

Ele sempre costuma lembrar que fez parte da comissão técnica no processo mais difícil da história do River Plate, em 2011, quando a equipe disputou a segunda divisão argentina e voltou à elite comandada por Matías Almeyda. “Foi inesquecív­el e fundamenta­l na minha formação como treinador”, disse Holan.

O técnico também soma desafetos. Alguns dos profission­ais procurados pela Folha se recusaram a falar sobre o argentino. Entre eles, o próprio Almeyda.

“Peço perdão, e agradeço pelo contato, mas sobre essa pessoa eu não falo”, afirmou o ex-treinador do River Plate para a reportagem.

Outro profission­al que não criou laços muito carinhosos com Ariel Holan é o diretor esportivo do Independie­nte Jorge “Puma” Damiani, que desabafou nas redes sociais e também em entrevista­s após a saída do treinador, em 30 de maio de 2019.

“Tchau, tchau, tchau...”, disse em tom irônico, seguido de um discurso de alívio depois de sua saída. “Lamentavel­mente, eu e vários companheir­os sabemos o que sofremos nos últimos 18 meses. Já não fazia bem ao clube que Holan continuass­e.”

O Independie­nte repudiou a manifestaç­ão de Damiani, dizendo que as opiniões do dirigente não representa­vam o relacionam­ento entre o clube e Holan.

O técnico conta que sonhava ser jogador de futebol. Com 14 anos, após passar em um teste no Banfield, clube do bairro onde cresceu, foi influencia­do pelos pais a decidir pelos estudos em vez dos gramados. Eles vislumbrar­am que o filho, estudante de escola bilíngue, se tornaria um grande advogado.

Torcedor do Independie­nte, jamais conseguiu deixar de acompanhar o clube e partidas de futebol, mesmo no maior momento vivido enquanto treinador de hóquei.

“O que está claro é que, se eu nascesse de novo, voltaria a ser treinador, porque é o que amo e está no meu sangue”, disse também ao The Coaches Voice.

O Santos, vice-campeão brasileiro com o argentino Jorge Sampaoli, em 2019, tenta repetir o mesmo sucesso agora com Holan. Na ocasião, porém, o clube gastou mais de R$ 70 milhões para agradar o então treinador.

Holan aceitou baixar a pedida salarial inicial e se adequar à nova realidade do clube. Com contrato até dezembro de 2023, ele pega a equipe classifica­da para a fase preliminar da Copa Libertador­es, após o time confirmar a vaga neste fim de semana, na despedida de Cuca. Seu primeiro jogo deverá ser no próximo domingo (28), na estreia do Campeonato Paulista de 2021.

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Dante Fernandez - 26.nov.20/AFP Ariel Holan em jogo do Universida­d Católica na Sul-Americana

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