Folha de S.Paulo

Novo livro da cantora Letrux convida leitores a mergulhar em seu diário

- Tati Bernardi folha.com/ecoisafina

Tudo que já nadei ★★★★☆

Letrux, Ed. Planeta R$ 34,90 (160 págs.)

O grande lance desse livro, da cantora e atriz Letícia Novaes, é pensar que você encontrou um caderno de anotações. Pensamento­s que a autora registrou antes de dormir (“tomar caldo era se perceber viva”); delicadeza­s (quando criança, tinha medo de perder a família na praia e isso ser “pra sempre”); histórias que ela não podia nem queria esquecer (como a do homem que perde sua aliança no mar e então a esposa joga a dela ali também: “foi das cerimônias de casamento mais lindas que já presenciei na vida”); e dores que ela precisava colocar pra fora (“o que foi mesmo que ela disse naquele dia antes de eu dar um tapa na cara dela?”). Eu li o tempo todo vendo a tinta azul, alguns desenhos, papel manchado de chocolate.

Não. O grande barato é pensar que você está deitado em uma rede e a Letrux, que escreve soltinho como se fosse óbvio que ela é sua melhor amiga, começa a te contar sobre o cara que, depois de muito tempo tentando ser resgatado pelo namorado e alguns amigos, disse “ah, morri”, antes de ser levado pelo mar. E como isso é triste, mas essa frase é engraçada. E como dá pra tentar tirar humor de tudo e, apesar da vontade de chorar e pedir desculpas, é um jeito de sobreviver.

Ou talvez o leitor esteja deitado na areia e as frases venham embaladas pelo som do mar: “O barco é um troço sólido em cima de um troço líquido, não combina com meu metabolism­o”. Dá quase pra sentir o cheiro de maresia nas páginas: “O que você tem em peixes? A mãe”. Em certos momentos o texto fica meio sem sentido, igual sol forte na nossa cabeça. Em outros parece seis da tarde, já vem uma brisa intensa e você consegue firmar o pescoço pra terminar um poema: “mágoa é má água dentro do corpo”.

Letrux, que fica horrorizad­a com o horror, que nunca tentou consertar a natureza (“Se essa folha caísse mais pra lá?”), que tem aflição de ver os outros vomitando, que pode ficar paralisada de tédio ou de tesão, que curte bem confortáve­l, de seu sofá, ver a galera se esfolando no “Largados e Pelados”, acha que uma pessoa que não pode ler seus textos não vai poder amá-la direito.

Dividido em três partes, “Ressaca” para textões, “Quebra-mar” para poemas e “Marolinhas” para aforismos , “Tudo que Já Nadei” é leitura delicinha e rápida para quando a gente acha que não quer pensar muito e daí “tchibum”: você foi enganado e está lá nas profundeza­s de um oceano particular —o da autora ou o seu.

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