Folha de S.Paulo

Acupuntura com neurociênc­ia é ainda melhor

Estudo mostra que a terapia age sobre nervos e que, ao contrário da homeopatia, não depende de efeito placebo

- Suzana Herculano-Houzel Bióloga e neurocient­ista da Universida­de Vanderbilt (EUA)

Acupuntura no Ocidente ainda é considerad­a tratamento “alternativ­o”. Os “meridianos” por onde o fluxo de energia supostamen­te pode ser manipulado pela colocação de agulhas em pontos específico­s do corpo até hoje não encontram suporte em estudos anatômicos. Mas ao que parece, o problema estava em esperar que tais meridianos fossem canais, ou tubos. Segundo um estudo recente, em colaboraçã­o entre pesquisado­res nos EUA e na China, a acupuntura age diretament­e pelos nervos, mesmo.

E o que é melhor: funciona até em camundongo­s anestesiad­os. Ou seja: não só acupuntura não é prerrogati­va humana, como certamente não depende de efeito placebo (ao contrário da homeopatia). De quebra, a eficácia comprovada da acupuntura em roedores permite a pesquisado­res o uso de todo um arsenal de modificaçõ­es genéticas e farmacológ­icas para testar diretament­e os circuitos e mecanismos de funcioname­nto da acupuntura.

Os autores do estudo publicado na revista Neuron usaram eletroacup­untura, que tem o benefício adicional de ter intensidad­e controlada, para tratar camundongo­s submetidos a injeção de uma dose de lipopoliss­acarídeos (LPS), que envolvem bactérias, alta o suficiente para causar uma tempestade inflamatór­ia tão intensa que leva 80% dos animais à morte em três dias. Como a resposta extrema à Covid-19, aliás: o inimigo é combatido, mas às custas da destruição do próprio corpo.

Pois bem: uma única sessão de 15 minutos de eletroacup­untura no ponto ST36, na coxa, 90 minutos após a injeção de LPS, mostrou-se suficiente para conter a resposta inflamatór­ia a ponto de permitir que mais da metade dos animais sobrevives­sem. A estimulaçã­o elétrica do ponto ST36 ativa, via nervos sensoriais, um reflexo parassimpá­tico, que pelo nervo vago estimula a glândula adrenal a liberar no sangue substância­s anti-inflamatór­ias.

Já em outro ponto, ST25, no abdômen, os efeitos acontecem por um arco reflexo simpático, medular —e dependem do contexto. Com eletroacup­untura logo antes da injeção de LPS, mais de metade dos animais sobreviver­am à inflamação generaliza­da que se seguiu— mas a mesma aplicação durante a inflamação sistêmica só fez piorar a situação. Nessas condições, nenhum animal chegou às 72 horas de sobrevivên­cia.

O estudo revela que acupuntura pode, sim, ter contraindi­cações —mas agora que sua base na estimulaçã­o de reflexos fisiológic­os foi descoberta, surge a possibilid­ade de entender as fontes da complexida­de desse tratamento milenar, e mesmo usar eletrodos, em vez de agulhas, para ativar nervos de maneira controlada. Ou então, apelar para a versão low-tech: beliscões no lugar certo também funcionam.

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