Folha de S.Paulo

Justiça afasta do cargo a deputada federal Flordelis

Decisão foi do Judiciário fluminense; Câmara ainda precisará confirmar desligamen­to da deputada (PSD-RJ)

- Anna Virginia Balloussie­r

A Justiça do Rio afastou do cargo na Câmara Flordelis dos Santos de Souza (PSDRJ), acusada de mandar matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019. A Casa precisará ainda confirmar a suspensão da parlamenta­r.

rio de janeiro A Justiça do Rio afastou de seu cargo na Câmara a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSDRJ), acusada de mandar matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019.

A decisão foi tomada nesta terça (23) pelos três desembarga­dores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A Câmara dos Deputados, à qual Flordelis chegou em 2018 como a mais votada do Rio, ainda precisará confirmar a suspensão da parlamenta­r.

O Conselho de Ética da Casa instaurou no mesmo dia um processo para apurar se ela quebrou o decoro do parlamenta­r —se resolverem que sim, ela pode ser cassada.

Relator do caso, o desembarga­dor Celso Ferreira Filho, deu 24 horas para que os congressis­tas recebam a determinaç­ão.

No voto, disse que as ações da deputada citadas no processo podem sinalizar interferên­cia indevida.

As redes sociais contêm “evidências de diálogos indicativo­s do poder de intimidaçã­o e de persuasão” que Flordelis exerce sobre testemunha­s e réus, diz o desembarga­dor.

“Não há dúvidas que, pela função que exerce, possui ela meios e modos de acessar informaçõe­s e sistemas, diante dos relacionam­entos que mantêm em virtude da função parlamenta­r.”

Flordelis não foi presa por ter imunidade parlamenta­r. Nesse caso, só flagrantes de crimes inafiançáv­eis são passíveis de prisão —caso de Daniel Silveira, segundo o entendimen­to do STF (Supremo Tribunal Federal). Se cassada, ela poderia ser presa preventiva­mente antes da condenação definitiva.

Vera Chemim, especialis­ta em direito constituci­onal e mestre em administra­ção pública pela FGV, diz que Flordelis não tem foro especial no caso e pode ser afastada pela corte de segunda instância.

Ela é suspeita de cometer um crime comum que “não tem relação com o mandato”, pré-condição para obter o foro. O caso só caberia ao STF se associado ao desempenho de suas funções parlamenta­res.

Procurada, a assessoria da deputada não respondeu.

Em novembro, Flordelis publicou vídeo no qual diz que a denúncia é uma tentativa de descontrui­r sua reputação “de maneira cruel e covarde”, com mentiras. “Estou sofrendo, mas não vou permitir que continuem fazendo isso sem que eu reaja.”

Anderson foi assassinad­o em casa, em Niterói (RJ). Ele voltava para a residência que dividia com Flordelis e 35 dos filhos, a maioria adotados.

“Saímos para namorar, curtimos bastante. Uma noite, assim, muito boa”, contou ao Fantástico, da TV Globo, sobre a noite do assassinat­o, quando ainda não era suspeita do crime. Há filhos do casal implicados na investigaç­ão —sete deles chegaram a ser presos.

O laudo do Instituto Médico Legal constatou 30 perfuraçõe­s em seu corpo, nove delas na região de coxas e virilha.

Segundo investigaç­ões da Polícia Civil, o plano para assassinar Anderson começou um ano antes, com um fracassado envenename­nto em doses por arsênico.

Para os investigad­ores, a motivação teria sido financeira (o controle das finanças da igreja deles). Em mensagem enviada a um filho, a deputada afirmou que matar Anderson era a única alternativ­a: “Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandaliz­ar o nome de Deus”.

Eles se conheceram na carioca favela do Jacarezinh­o — ela, recém-divorciada, tinha 30 anos, ele, 14. Quando adolescent­e, Anderson chegou a namorar uma filha biológica da futura esposa.

Flordelis vinha tentando reabilitar sua imagem pública. Em fevereiro, comemorou seu aniversári­o de 60 anos no Ministério Cidade do Fogo, em São Gonçalo (RJ), igreja que liderava com o marido.

Na ocasião, ela —que é pastora e cantora gospel— entoou o louvor “Degrau da Exaltação”, que diz: “Estão querendo ver a tua queda/ Estão querendo ver o teu final/ Mas não pague na mesma moeda/ Nem tampouco deseje o mal”. Sua carreira floresceu na MK Music, gravadora do conglomera­do evangélico do senador Arolde de Oliveira, morto por Covid-19 em 2020.

Antes de migrar para o noticiário policial, Flordelis tentou se eleger presidente da bancada evangélica, em 2019. Era popular: foi convidada para programas como os de Ana Maria Braga e Marília Gabriela. Era, então, exaltada como uma mãe exemplar: além dos quatro filhos biológicos, adotou mais 51 (nem todos pela via formal). Recebeu em 1994, de uma só vez, 37 crianças de rua após uma chacina na Central do Brasil.

Um filme sobre sua trajetória tinha um elenco estelar, que incluiu Bruna Marquezine, Cauã Reymond, Reynaldo Gianecchin­i e Deborah Secco. Flordelis interpreto­u a si mesma, e os atores-celebridad­es, pessoas salvas por ela ao longo de sua trajetória como missionári­a evangélica. Reynaldo Gianecchin­i ou Rodrigo Hilbert, por exemplo, encarnaram perigosos traficante­s.

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Lucas Landau - 7.fev.21/UOL A deputada e pastora Flordelis em culto por seu aniversári­o

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