Folha de S.Paulo

Senador se diz satisfeito ‘após dois anos de massacre’

Efeito cascata pode tornar irrecuperá­veis provas que, para o Ministério Público do Rio, corroboram ‘rachadinha­s’

- Mônica Bergamo e Catia Seabra

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO “Depois de dois anos de massacre, fico satisfeito”, afirmou Flávio Bolsonaro à Folha após o julgamento do STJ.

Ele deu entrevista por FaceTime ao lado do advogado Frederick Wassef. Os dois estavam em um hotel na capital federal.

“Por consequênc­ia óbvia [do julgamento do STJ], aquela denúncia [das “rachadinha­s”] não vai subsistir. Ela foi toda baseada em provas nulas e ilegais”, disse o advogado.

Flávio afirmou ainda que a decisão do STJ “pode calar a boca de muita gente”. “Fico contente de saber que existem juízes corajosos que julgam não só pela capa de um processo covarde que tinha o objetivo de atingir o presidente da República”, afirmou.

“Flavio Bolsonaro vendeu um bombom, é lavagem de dinheiro, recebeu por um litro de leite, é lavagem de dinheiro”, afirmou Wassef, dizendo nunca ter deixado de defender Flávio.

“Nunca deixei de ser advogado dele. Sou defensor dele em vários processos, com procuração”, afirma.

RIO DE JANEIRO O possível efeito cascata provocado pela decisão da Quinta Turma do STJ de anular a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os) é o que mais preocupa investigad­ores do caso das “rachadinha­s” na Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro.

A própria denúncia já protocolad­a contra Flávio também pode ter como destino o arquivo. Eventual nova acusação dependeria de provas colhidas a partir de uma nova decisão judicial autorizand­o o acesso aos dados bancários do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seu suposto operador financeiro, Fabrício Queiroz.

Mas a decisão do STJ ameaça provas colhidas que não podem ser apreendida­s de novo, como celulares e comprovant­es bancários. Para o MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), elas corroboram os indícios das “rachadinha­s” expostos pelos dados das contas dos investigad­os.

Isso porque foram autorizada­s com pedidos da Promotoria com base nos dados da quebra de sigilo bancário, agora considerad­os ilegais.

“Agora deu ruim”, disse em áudio o pai da ex-assessora Luiza Souza Paes ao ver a notícia sobre a movimentaç­ão financeira de Queiroz.

“Comecei a tirar R$ 1.400”, escreveu a ex-assessora Flávia da Silva em comprovant­e de transferên­cia a Queiroz, indicando o seu salário real, debitado o valor repassado ao policial militar aposentado.

A própria prisão de Queiroz, hoje em regime domiciliar, está sob risco. Foi decretada com base em mensagens e anotações apreendida­s com sua mulher, Márcia Aguiar. A autorizaçã­o das buscas teve como fundamento as quebras de sigilo agora anuladas.

Outra importante prova ameaçada são os dados telemático­s obtidos com pedido feito pelo MP-RJ baseado nas quebras de sigilo bancário. Eles permitiram aos investigad­ores mostrarem, pelo tráfego de dados de antenas, que os ex-assessores de Flávio só usavam seus celulares longe da Assembleia.

Esses dados, como os bancários, podem ser recuperado­s com outra ordem judicial.

Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriaçã­o indébita e organizaçã­o criminosa. Para os investigad­ores, ele liderava uma quadrilha que recolhia parte dos salários de ex-funcionári­os de seu antigo gabinete na Assembleia para benefício pessoal.

O total desviado dos cofres públicos, segundo o MP-RJ, foi de R$ 6,1 milhões.

O efeito cascata ainda depende dos votos e acórdão a serem publicados. Ele pode ser determinad­o diretament­e pelo STJ ou ser debatido no Órgão Especial do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), foro designado para analisar o caso do senador.

Na sessão desta terça-feira (23), os ministros do STJ não mencionara­m o efeito imediato da decisão tomada.

A anulação em sequência também pode ser revertida por recurso apresentad­o pelo MP-RJ contra a decisão do STJ, a ser analisado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Seria o primeiro ato do novo procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, no caso do senador, após intensa articulaçã­o política para ser nomeado para o cargo pelo governador interino, Cláudio Castro (PSC), aliado de Bolsonaro.

Nesse cenário, Mattos deve assumir novo protagonis­mo, já que a decisão atualmente vigente atribui ao procurador­geral a responsabi­lidade por refazer a investigaç­ão contra o senador.

A quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e outras 84 pessoas e nove empresas foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

A medida deu acesso aos dados financeiro­s dos investigad­os de janeiro de 2007 a dezembro de 2018, quando Queiroz esteve lotado no antigo gabinete de Flávio na Alerj.

Foi a partir dos dados bancários que os investigad­ores identifica­ram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões.

Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam terem sido disponibil­izados para a suposta organizaçã­o criminosa.

O MP-RJ ainda identifico­u um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartament­o adquirido pelo casal.

Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.

Eles também apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identifica­da entre 2014 e 2018.

Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.

A discussão desta terça girou em torno da fundamenta­ção de Itabaiana para a quebra de sigilo bancário e fiscal.

A decisão foi atacada por advogados do caso por apresentar os fundamento­s. A justificat­iva do juiz toma um parágrafo do documento, adotando as razões expostas pelo MP em 87 páginas.

Em junho de 2019, ao autorizar a quebra de sigilo de outros investigad­os, aprofundou a fundamenta­ção para as medidas cautelares deferidas dois meses antes.

Os ministros entenderam que a fundamenta­ção, como feita, não tem validade jurídica.

O debate jurídico para tentar salvar as provas contra Flávio também depende de dois processos pendentes.

A Quinta Turma do STJ ainda precisa analisar a legalidade do compartilh­amento de provas pelo Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeira­s) com o MP-RJ no caso, bem como da autoridade de Itabaiana de emitir decisões, consideran­do que o TJRJ entendeu que o senador tinha direito a foro especial.

Se o senador ganhar esses recursos, as provas ficam em situação ainda mais frágil.

O relatório do Coaf foi a origem da investigaç­ão contra o senador. Nele, o órgão descreveu movimentaç­ão financeira atípica de Queiroz em 2016. Além do volume que passou pelas contas do ex-assessor no período (R$ 1,2 milhão), chamou a atenção ter recebido depósitos em espécie sempre em datas próximas ao pagamento de salário da Alerj.

Os advogados de Flávio dizem que o relatório tem detalhamen­to excessivo, assemelhan­do-se a quebra de sigilo bancário. E apontam que o MP-RJ orientou o Coaf a fazer pedidos às instituiçõ­es bancárias, o que consideram ilegal.

O MP nega ter agido fora das regras.

O emaranhado de debates judiciais, certamente, adia ainda mais a eventual mudança de status criminal do senador de acusado para réu, caso o Órgão Especial aceitasse a denúncia contra ele.

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Reprodução O advogado Frederick Wassef (tela do centro, fila inferior) acompanha sessão no STJ

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