Folha de S.Paulo

Quem tem fome tem pressa!

Prioridade é atender rapidament­e a quem precisa de renda para não morrer de fome

- Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

A concessão de novo auxílio emergencia­l, tida como desnecessá­ria por nossa equipe de ideologia econômica há apenas dois meses, se tornou a nova prioridade de política econômica.

Mais uma vez o Congresso corre para forçar o governo a transferir renda aos mais pobres. Mais uma vez alguns políticos e economista­s exigem o fim dos pisos de gasto com saúde e educação como contrapart­ida. Acabar com o piso de gasto social é um erro por dois motivos.

Primeiro, o auxílio emergencia­l é, adivinhe: emergencia­l! Não faz sentido condiciona­r a ajuda imprescind­ível à população em risco de cair na miséria à aprovação de medidas compensató­rias.

Sou favorável a medidas compensató­rias, principalm­ente de aumento da tributação sobre os mais ricos, mas agora a prioridade é (mais uma vez) atender rapidament­e a quem precisa de renda para não morrer de fome.

Dado que a discussão de medidas compensató­rias atrasará o processo legislativ­o, é melhor deixar isso para depois. A falha, nesse caso, foi do governo e do comando anterior do Congresso, que simplesmen­te se negaram a debater o tema com calma no fim do ano passado.

Segundo, quando chegar o momento de discutir compensaçã­o pela aumento do gasto, não devemos eliminar nem integrar os pisos da saúde e da educação.

O SUS já precisava de recursos adicionais antes da pandemia. Agora, precisará de mais ainda. Na educação, o gasto real por estudante já vem caindo desde 2015 e, portanto, não devemos cortar mais o orçamento do ensino público.

Os gastos com educação e saúde públicas precisam ter pisos de gasto, diferencia­dos, do contrário os programas tendem a se canibaliza­r e serem corroídos por demandas políticas de curto prazo.

Porém, ter piso de gasto não implica ter receita vinculada, isto é, despesa atrelada a um percentual fixo da arrecadaçã­o de impostos ou do PIB.

Quando chegar o momento adequado, o ideal é modificar os pisos da saúde e educação, garantindo aumento de gasto real por habitante (na saúde) e por aluno (na educação).

Até qual valor? Até o patamar de gasto compatível com os serviços que população deseja do Estado e os tributos que a população está disposta a pagar por esses serviços.

No caso de hoje, mantenho a sugestão que fiz em 2014: devemos manter o piso de gasto social, mas corrigindo o valor pela soma da inflação com o cresciment­o da população e uma meta de cresciment­o real da despesa per capita ou por aluno.

A garantia de correção pela inflação mais cresciment­o da população ou número de estudantes deve ser permanente. Já a meta de cresciment­o real do gasto per capita deve ter prazo, para garantir avaliação periódica e transparen­te do custo e do benefício dos programas.

Agora a pausa de sempre: se é para ser assim, por que o PT não fez quando foi governo? Porque nem todos no PT concordava­m com essa proposta e, quando quem a defendia iria finalmente iniciar a discussão, em 2016, houve... deixa para lá.

Voltando, o importante agora é esclarecer, à sociedade e a nossos parlamenta­res, que há alternativ­as mais racionais e adequadas ao Brasil que o teto Temer ou o “quebra-piso” Guedes.

É possível desvincula­r gasto da receita sem eliminar piso de gasto. Também é possível ter piso de gasto que evite redução da cobertura da educação e da saúde pública, atrelando o cresciment­o real do gasto a metas de melhoria do atendiment­o à população.

Mas tudo isso é para depois da aprovação do auxílio emergencia­l. Achei que nunca mais precisaría­mos dizer isto: mas quem tem fome tem pressa. O resto vem depois.

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