Quem tem fome tem pressa!
Prioridade é atender rapidamente a quem precisa de renda para não morrer de fome
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research
A concessão de novo auxílio emergencial, tida como desnecessária por nossa equipe de ideologia econômica há apenas dois meses, se tornou a nova prioridade de política econômica.
Mais uma vez o Congresso corre para forçar o governo a transferir renda aos mais pobres. Mais uma vez alguns políticos e economistas exigem o fim dos pisos de gasto com saúde e educação como contrapartida. Acabar com o piso de gasto social é um erro por dois motivos.
Primeiro, o auxílio emergencial é, adivinhe: emergencial! Não faz sentido condicionar a ajuda imprescindível à população em risco de cair na miséria à aprovação de medidas compensatórias.
Sou favorável a medidas compensatórias, principalmente de aumento da tributação sobre os mais ricos, mas agora a prioridade é (mais uma vez) atender rapidamente a quem precisa de renda para não morrer de fome.
Dado que a discussão de medidas compensatórias atrasará o processo legislativo, é melhor deixar isso para depois. A falha, nesse caso, foi do governo e do comando anterior do Congresso, que simplesmente se negaram a debater o tema com calma no fim do ano passado.
Segundo, quando chegar o momento de discutir compensação pela aumento do gasto, não devemos eliminar nem integrar os pisos da saúde e da educação.
O SUS já precisava de recursos adicionais antes da pandemia. Agora, precisará de mais ainda. Na educação, o gasto real por estudante já vem caindo desde 2015 e, portanto, não devemos cortar mais o orçamento do ensino público.
Os gastos com educação e saúde públicas precisam ter pisos de gasto, diferenciados, do contrário os programas tendem a se canibalizar e serem corroídos por demandas políticas de curto prazo.
Porém, ter piso de gasto não implica ter receita vinculada, isto é, despesa atrelada a um percentual fixo da arrecadação de impostos ou do PIB.
Quando chegar o momento adequado, o ideal é modificar os pisos da saúde e educação, garantindo aumento de gasto real por habitante (na saúde) e por aluno (na educação).
Até qual valor? Até o patamar de gasto compatível com os serviços que população deseja do Estado e os tributos que a população está disposta a pagar por esses serviços.
No caso de hoje, mantenho a sugestão que fiz em 2014: devemos manter o piso de gasto social, mas corrigindo o valor pela soma da inflação com o crescimento da população e uma meta de crescimento real da despesa per capita ou por aluno.
A garantia de correção pela inflação mais crescimento da população ou número de estudantes deve ser permanente. Já a meta de crescimento real do gasto per capita deve ter prazo, para garantir avaliação periódica e transparente do custo e do benefício dos programas.
Agora a pausa de sempre: se é para ser assim, por que o PT não fez quando foi governo? Porque nem todos no PT concordavam com essa proposta e, quando quem a defendia iria finalmente iniciar a discussão, em 2016, houve... deixa para lá.
Voltando, o importante agora é esclarecer, à sociedade e a nossos parlamentares, que há alternativas mais racionais e adequadas ao Brasil que o teto Temer ou o “quebra-piso” Guedes.
É possível desvincular gasto da receita sem eliminar piso de gasto. Também é possível ter piso de gasto que evite redução da cobertura da educação e da saúde pública, atrelando o crescimento real do gasto a metas de melhoria do atendimento à população.
Mas tudo isso é para depois da aprovação do auxílio emergencial. Achei que nunca mais precisaríamos dizer isto: mas quem tem fome tem pressa. O resto vem depois.