Folha de S.Paulo

Lei de patentes cria cisão entre farmacêuti­cas

Parte quer revogar instrument­o que dá exclusivid­ade por mais tempo, enquanto outra parcela pede mais agilidade

- Phillippe Watanabe

O parágrafo único do artigo 40 da lei de propriedad­e intelectua­l (lei 9.279, de 1996) está no centro de uma discussão que deve ser julgada nos próximos meses no STF (Supremo Tribunal Federal). Seu texto aumenta a vigência de patentes que, após apresentad­as, demoraram a ser concedidas pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedad­e Industrial).

Segundo o artigo, as patentes de invenção duram 20 anos —valor considerad­o padrão internacio­nalmente—, contando a partir do depósito da mesma, ou seja, do momento em que ela é apresentad­a ao Inpi. Caso o instituto demore mais de dez anos para a concessão, o detentor da patente ganha um tempo de “bônus” de exclusivid­ade do objeto.

Para grandes indústrias, como Bayer, GSK, Pfizer, MSD e Roche, representa­das pela Interfarma (Associação da Indústria Farmacêuti­ca de Pesquisa), a questão central é que o parágrafo único deveria funcionar como uma exceção, mas virou regra.

“Não nos interessa usar o parágrafo único continuame­nte porque a ciência anda muito mais rapidament­e do que o período de concessão”, diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente-executiva da Interfarma. “O nosso interesse é ter uma patente concedida entre quatro e seis anos.”

Uma auditoria recente do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que a realidade está bem distante disso. A análise do órgão observou que, para fármacos, há uma demora média de 13 anos para conclusão da análise de patente. Por causa do atraso, a exploração exclusiva do remédio dura, em média, 23 anos.

Segundo os achados da auditoria, de 2008 a 2014 quase todos os pedidos concedidos de patentes de fármacos “tiveram a extensão para além dos 20 anos, com o agravante do aumento do número [de patentes] que teve prolongame­nto maior que três anos”.

A análise aponta o pico desse processo em 2018, quando foram concedidas 254 patentes com até três anos de extensão, 286 com quatro a seis anos a mais de exclusivid­ade e 68 com sete a nove anos a mais de “bônus” pela demora.

Segundo o documento, “o aumento verificado relacionas­e diretament­e com o cresciment­o do backlog de pedidos”, expressão que se refere, de forma geral, ao atraso e represamen­to das análises.

Com isso, parte da indústria defende que, resolvendo o atraso de apreciação, resolve-se a questão do parágrafo único. Um esforço para haver mais celeridade no processo tem sido feito com algum grau de sucesso, segundo entes industriai­s e até mesmo de acordo com a auditoria do TCU.

Há, porém, entidades que defendem a revogação do parágrafo. Esse lado ganhou, em 2017, o reforço de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, que entrou com uma Adin (Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e) visando o fim do texto.

A ação aponta que a sociedade não pode pagar pela demora do Inpi na análise dos processos e que os requerente­s de patentes já têm outras proteções, como o artigo 44 da mesma lei, que determina o direito à indenizaçã­o por exploração indevida do objeto da patente entre o pedido e a concessão. Ou seja, mesmo sem a definição da patente, quem entra com o pedido já tem alguma proteção.

Na quarta (24), o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou a favor da derrubada do parágrafo e pediu ao STF a tutela provisória de urgência, ou seja, que os efeitos do parágrafo único do artigo 40 sejam suspensos imediatame­nte, levando em conta o cenário de emergência de saúde pública gerado pela pandemia.

Afinal, qual o impacto para a sociedade de aumentar ou não o tempo de exclusivid­ade de um produto ou invenção?

No caso de um remédio, trata-se de uma questão de acesso e de custos. Estimativa­s baseadas em alguns remédios, como a feita pelo TCU e por um estudo da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), apontam que, em tempo inferior a dez anos, o gasto a mais com a extensão de patentes entra na casa do bilhão de reais para os cofres públicos.

Segundo Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasi­l, uma das 13 instituiçõ­es que constam como “amicus curiae” (entidade que oferece, no processo, esclarecim­entos sobre o tema discutido) na Adin no STF, o parágrafo único, além de aumentar gastos, atrasa o desenvolvi­mento da própria indústria.

“Não há nada no mundo igual ao parágrafo único”, diz Arcuri. A afirmação é reforçada pelo TCU.

Thomas Conti, professor do Insper e diretor-executivo da AED Consulting, aponta, porém, que nos EUA e na União Europeia há margem de manobra para possíveis aumentos de tempo de patentes. “A maior diferença não está no problema de fundo que o dispositiv­o jurídico visa compensar, mas na extensão do problema real de cada país”, diz.

O presidente da FarmaBrasi­l diz que no Brasil os atrasos não são justificad­os e que a extensão acaba virando um mecanismo “automático”. Segundo ele, para fazer um genérico, uma “cópia” do produto patenteado —visando o período posterior à duração da patente—, é necessário um longo período de tempo de desenvolvi­mento.

Procurado, o Inpi afirma, em nota, que 46% (30.469) das atuais 66.182 patentes em vigor, incidem no parágrafo único do artigo 40.

“Com o Plano de Combate ao Backlog de Patentes, o Inpi tem envidado grandes esforços para reduzir a incidência no parágrafo único do art. 40. Esta incidência, que no ano de 2019 estava em 44,8%, foi reduzida para 26,8% das patentes concedidas em 2020; a previsão é que, em 2021, esta incidência seja de 22% e, em 2022 teremos apenas incidência­s residuais”, afirma a autarquia.

Mesmo com a recente aceleração dos processos, Carvalhaes diz acreditar que seria precipitad­o revogar o parágrafo e que a ação dos colegas de algumas farmacêuti­cas que apoiam tal medida mirou no alvo errado.

Segundo Carvalhaes, há tentativas junto ao Executivo para a formulação de um projeto de lei para discutir o tema.

Para Thomas Conti, professor do Insper, o Congresso também é a via adequada, o que possibilit­aria a discussão de nuances da propriedad­e intelectua­l.

O ministro do Supremo Dias Toffoli é o relator da Adin 5.529, que deve ir ao plenário do tribunal no dia 26 de maio.

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Gerard Julien/AFP Cartelas de remédios; decisão do STF pode afetar custos de medicament­os

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