Peças híbridas abraçam linguagem do cinema
‘A Árvore’ e ‘Farol da Neblina’ lideram onda de espetáculos virtuais que vão além de usar o Zoom como plataforma
Desde que a pandemia da Covid interrompeu pela primeira vez as atividades culturais, grupos teatrais criaram peças encenadas virtualmente usando ferramentas como o Zoom e as redes sociais.
Agora, espetáculos galgam mais um passo na exploração do teatro virtual e assumem uma linguagem cinematográfica, criando um híbrido entre as duas linguagens.
É o caso de “A Árvore”, dirigida por Ester Laccava e João Wainer, que estreia agora. Nela, a atriz Alessandra Negrini, que também produziu a peça gravada, vive uma escritora que, ao ser enredada por uma planta, começa a se metamorfosear numa árvore.
A personagem passa a maior parte da trama dentro de seu apartamento —instalação que foi montada no teatro Faap. Mas, com a possibilidade de gravação e do diálogo com o audiovisual, o monólogo é cortado por cenas em que ela aparece numa floresta, anda na rua usando máscara e pedala por uma estrada.
“A origem está no teatro porque minha formação é do teatro”, afirma Ester Laccava. “Mas eu imaginava que eu tinha o olhar da câmera.”
Segundo Laccava, o que mais permanece do teatro nesse híbrido de “A Árvore” é o risco. “Não tive a possibilidade de ter muitos takes da mesma cena”, conta ela sobre a peça, que foi gravada em menos de uma semana.
Alessandra Negrini também diz que, sem plateia, de fato não se trata de teatro. Mas que entre as características dessa linguagem que ficam na produção estão a quantidade de texto e a manutenção da fala direcionada para a câmera.
Yara de Novaes, que dirige a websérie “Farol de Neblina” com a cineasta Clarissa Campolina, conta que queria encontrar, nesse projeto, um diálogo entre as duas linguagens.
Partindo do espetáculo teatral, Novaes diz que a cineasta entrou para definir, por exemplo, como a câmera entraria na encenação e qual seria o tipo de movimentação dela.
Os quatro episódios de cerca de 20 minutos mostram o encontro de um casal, vividos pelos atores Leonardo Fernandes e Fafá Rennó, numa casa isolada próxima à estrada durante uma noite fria, encoberta pela neblina.
“Normalmente, no cinema, você também tem atores e atrizes amparados em lugares, sentados, numa cama, há um mobiliário. Ali, são corpos soltos no espaço”, diz ela.
O acidente de carro que os personagens sofrem na história não foi transformado numa cena em que o carro é mostrado numa colisão realista, por exemplo. A câmera se aproxima dos atores, que fazem uma espécie de coreografia do evento, e closes revelam pés e rostos tensos.
Clarissa Campolina conta que a intenção nessa transposição da história para uma websérie era lidar com a situação de pandemia e ausência de espetáculos, homenageando o próprio teatro.
Yara de Novaes também diz que, além da própria trama de “Farol de Neblina” ter uma estrutura capitular, a ideia de a dividir em quatro episódios foi para prender a atenção do espectador, que hoje passa boa parte do seu tempo em frente à tela.
“Em hipótese alguma substitui a experiência do teatro presencial, mas acho que nos coloca outras possibilidades”, diz Campolina. “É uma outra experiência, mas é uma, acho, que poderia fazer parte de uma plataforma como a Netflix, em ambientes que sejam do audiovisual.”
A Árvore
Direção: Ester Laccava e João Wainer. Na plataforma Tudus (tudus.com.br). 14 anos. R$ 30
Farol de Neblina
Direção: Clarissa Campolina e Yara de Novaes. Até 30 de junho em espetaculo neblina.com.br. 12 anos. Grátis