Folha de S.Paulo

Peças híbridas abraçam linguagem do cinema

‘A Árvore’ e ‘Farol da Neblina’ lideram onda de espetáculo­s virtuais que vão além de usar o Zoom como plataforma

- Carolina Moraes

Desde que a pandemia da Covid interrompe­u pela primeira vez as atividades culturais, grupos teatrais criaram peças encenadas virtualmen­te usando ferramenta­s como o Zoom e as redes sociais.

Agora, espetáculo­s galgam mais um passo na exploração do teatro virtual e assumem uma linguagem cinematogr­áfica, criando um híbrido entre as duas linguagens.

É o caso de “A Árvore”, dirigida por Ester Laccava e João Wainer, que estreia agora. Nela, a atriz Alessandra Negrini, que também produziu a peça gravada, vive uma escritora que, ao ser enredada por uma planta, começa a se metamorfos­ear numa árvore.

A personagem passa a maior parte da trama dentro de seu apartament­o —instalação que foi montada no teatro Faap. Mas, com a possibilid­ade de gravação e do diálogo com o audiovisua­l, o monólogo é cortado por cenas em que ela aparece numa floresta, anda na rua usando máscara e pedala por uma estrada.

“A origem está no teatro porque minha formação é do teatro”, afirma Ester Laccava. “Mas eu imaginava que eu tinha o olhar da câmera.”

Segundo Laccava, o que mais permanece do teatro nesse híbrido de “A Árvore” é o risco. “Não tive a possibilid­ade de ter muitos takes da mesma cena”, conta ela sobre a peça, que foi gravada em menos de uma semana.

Alessandra Negrini também diz que, sem plateia, de fato não se trata de teatro. Mas que entre as caracterís­ticas dessa linguagem que ficam na produção estão a quantidade de texto e a manutenção da fala direcionad­a para a câmera.

Yara de Novaes, que dirige a websérie “Farol de Neblina” com a cineasta Clarissa Campolina, conta que queria encontrar, nesse projeto, um diálogo entre as duas linguagens.

Partindo do espetáculo teatral, Novaes diz que a cineasta entrou para definir, por exemplo, como a câmera entraria na encenação e qual seria o tipo de movimentaç­ão dela.

Os quatro episódios de cerca de 20 minutos mostram o encontro de um casal, vividos pelos atores Leonardo Fernandes e Fafá Rennó, numa casa isolada próxima à estrada durante uma noite fria, encoberta pela neblina.

“Normalment­e, no cinema, você também tem atores e atrizes amparados em lugares, sentados, numa cama, há um mobiliário. Ali, são corpos soltos no espaço”, diz ela.

O acidente de carro que os personagen­s sofrem na história não foi transforma­do numa cena em que o carro é mostrado numa colisão realista, por exemplo. A câmera se aproxima dos atores, que fazem uma espécie de coreografi­a do evento, e closes revelam pés e rostos tensos.

Clarissa Campolina conta que a intenção nessa transposiç­ão da história para uma websérie era lidar com a situação de pandemia e ausência de espetáculo­s, homenagean­do o próprio teatro.

Yara de Novaes também diz que, além da própria trama de “Farol de Neblina” ter uma estrutura capitular, a ideia de a dividir em quatro episódios foi para prender a atenção do espectador, que hoje passa boa parte do seu tempo em frente à tela.

“Em hipótese alguma substitui a experiênci­a do teatro presencial, mas acho que nos coloca outras possibilid­ades”, diz Campolina. “É uma outra experiênci­a, mas é uma, acho, que poderia fazer parte de uma plataforma como a Netflix, em ambientes que sejam do audiovisua­l.”

A Árvore

Direção: Ester Laccava e João Wainer. Na plataforma Tudus (tudus.com.br). 14 anos. R$ 30

Farol de Neblina

Direção: Clarissa Campolina e Yara de Novaes. Até 30 de junho em espetaculo neblina.com.br. 12 anos. Grátis

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Divulgação Alessandra Negrini em cena de ‘A Árvore’, espetáculo virtual híbrido dirigido por Ester Laccava e João Wainer

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