Folha de S.Paulo

Governo não usa R$ 80 bi, e gasto no pico da crise é lento

Execução de recursos federais patina na saúde e esbarra no esgotament­o de medidas mal dimensiona­das na economia

- Fábio Pupo e Thiago Resende

De R$ 605,7 bilhões liberados pelo governo no Orçamento de 2020 para o combate à Covid-19, cerca de R$ 80 bilhões não foram usados. Dessa sobra, R$ 37,5 bilhões tiveram pagamentos residuais autorizado­s para o atual exercício, mas 90% continuam estacionad­os.

Isso enquanto a pandemia chega ao pior momento no país, com recorde de casos.

A maior parte, R$ 25,5 bilhões, é para ações do Ministério da Saúde, especialme­nte na compra de vacinas, mas apenas R$ 1,2 bilhão foi usado até fevereiro.

No auxílio emergencia­l, restam R$ 2 bilhões permitidos em 2021. Outro benefício, pago a quem teve redução de jornada e salário, tem R$ 8 bilhões previstos e só R$ 400 mil executados.

Especialis­tas dizem que o superdimen­sionamento de programas garantiu atendiment­o pleno aos beneficiár­ios, mas também fez os recursos chegarem a este ano sem poderem ser usados por normas orçamentár­ias.

Agora, alertam para o fato de o Executivo não ter mais margem para medidas mal feitas dado o atual endividame­nto público.

brasília Para conter o avanço da Covid-19 e os efeitos do vírus na economia, o governo liberou R$ 604,7 bilhões no Orçamento em 2020, segundo o Tesouro Nacional. Parte do dinheiro, porém, ficou parada, ou seja, não foi usada. No ano passado, o montante represado chegou aR $80 bilhões.

Os gastos de algumas medidas lançadas em 2020 puderam ser estendidos para este ano, mas em valor mais baixo. Cerca de R$ 37,5 bilhões dessa sobra ainda podem ser desembolsa­dos em 2021. Até agora, porém, passados os primeiros dois meses do ano, mais de 90% desses recursos permanecem estacionad­os.

Registrara­m os maiores empoçament­os de recursos, no ano passado e no início de 2021, o pagamento de auxílio emergencia­l, averba para a saúde (inclusive para aquisição de imunizante­s) e o programa de corte de jornada e de salários dos trabalhado­res da iniciativa privada.

Do total programado para 2021 (R$37,5 bilhões), quase R$ 25,5 bilhões são para ações do Ministério da Saúde, mas apenas R$ 1,3 bilhão foi usado até fevereiro. Portanto, a área de saúde ainda tem mais de R$ 24 bilhões, especialme­nte para a compra das vacinas contra a Covid-19.

A pandemia atinge novos recordes em fevereiro —um ano após o primeiro caso de coronavíru­s confirmado no país. O Ministério da Economia tenta conter apressão para que mais dinheiro extraordin­ário seja liberado em 2021, mas coma lentidão do setor público, nem mesmo averba disponível desde 2020 está sendo totalmente aproveitad­a.

No auxílio emergencia­l, por exemplo, sobraram quase R$ 29 bilhões no ano passado. Há autorizaçã­o somente para R$ 2 bilhões no começo deste ano. O restante expirou com o término do período de calamidade.

O montante atual —R$ 2 bilhões— é destinado ao pagamento de parcelas a quem conseguiu direito ao benefício no fim de 2020 (e pode receber cotas residuais no início de 2021). Também está reservado à espera de checagens, por exemplo, recursos de pedidos de auxílio que foram negados no ano passado.

Segundo o Ministério da Cidadania, o valor é destinado a contestaçõ­es e reavaliaçõ­es que podem incluir mais pessoas no programa. “As liberações estão sendo efetivadas de acordo coma conclusão desses processos ”, afirma a pasta.

Sobre averbado auxílio não usada em 2020, a pasta diz que houve cruzamento­s de dados e medidas antifraude reduziram os custos do programa. Isso fez o dinheiro ser direcionad­o a quem mais precisava.

“Dessa forma, a previsão orçamentár­ia inicial sofreu uma variação que está se refletindo na execução”, afirmou a pasta.

O governo promete uma nova rodada do auxílio emergencia­l, diante do repique da pandemia em 2021, mas essa medida, em formato reformulad­o, depende de nova autorizaçã­o do Congresso.

Houve represamen­to também de recursos destinados a cobrir o Benefício Emergencia­l do Emprego e da Renda (o BEm), pago a trabalhado­res que tiveram redução de jornada e salário ou suspensão de contrato.

Para o pagamento desse benefício foram reservados R$ 51,5 bilhões em 2020. Ao final do ano, porém, R$ 18 bilhões (32% do total) não tinham sido executados. Com o fim do decreto de calamidade, o programa não pode ser estendido a 2021, mesmo contando com sobra de recursos.

Apenas um aparte, R $8 bilhões, tem autorizaçã­o para ser gasta nos primeiros meses de 2021. O objetivo é cobrir o corte na renda de trabalhado­res que tiveram a jornada reduzida no fim do ano passado.

Desses R$ 8 bilhões, menos de R$ 400 milhões foram usados até o fim de fevereiro. O motivoéa demora para analisar os pedidos de trabalhado­res pelo pagamento do governo —inclusive na Justiça.

Houve também descompass­osnasproje­çõessobreo­alcance do programa. O Ministério da Economia desenhou a medida consideran­do uma adesão de 73% de todos os trabalhado­res formais do país, baseado na tese de que os outros 27% eram de segmentos considerad­os essenciais e não seriam afetados pela crise.

De acordo com a pasta, foi projetado esse quantitati­vo para seguir o mote de que ninguém seria deixado para trás. Depois disso, na visão do ministério, a retomada das atividades e a reação da economia fizeram a demanda ser menor do que a imaginada.

“O total de acordos realizados foi, portanto, abaixo do necessário, o que ocasionou a não utilização total do orçamento inicialmen­te previsto. E isso é algo extremamen­te positivo, pois mostra a rápida recuperaçã­o e evita um maior endividame­nto do país”, afirmou o Ministério da Economia, em nota.

Segundo Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es) e um dos principais articulado­res do programa de empregos em 2020, houve um declínio natural da medida conforme ela foi sendo usada pelas empresas.

No entanto, ele contestou atese de declínio da demanda. Para Sol mucci,u ma nova medida do tipo é urgente. “O BEm não só foi importante como continua sendo vital para salvar as empresas que sobreviver­am até agora.”

Especialis­tas dizem que o superdimen­sionamento de programas na área econômica em 2020 garantiu, por um lado, recursos mais que suficiente­s para atender os beneficiár­ios segundo as regras adotadas. Isso ocorreu, lembram, em um cenário em que havia pouca clareza sobre a correta demanda por medidas.

Por outro lado, há críticas sobre os recursos terem chega doa 2021 sem poderem ser usados, travados principalm­ente por diferentes regras orçamentár­ias.

Bráulio Borges, economista da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirmou que isso poderia ter sido resolvido com um diálogo técnico ao longo do ano passado com órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União).

Para ele, uma resolução dos impasses burocrátic­os poderia ter dado fôlego ao pagamento do auxílio emergencia­l no início de 2021.

“Certamente tinha espaço para prorrogá-las neste ano, mesmo sem o decreto de calamidade. Acho que teve um erro de cálculo enorme, ou um wishful thinking [pensamento positivo, nesse caso sobre a melhora da pandemia]”, disse.

Na avaliação de Borges, declaraçõe­s da equipe econômicas obre abaixa probabilid­ade de uma nova ondada Covid indicam que o governo, na verdade, encerrou o ano apostando no arrefecime­nto da pandemia.

Os analistas afirmam que, neste segundo ano de pandemia, há menor margem de tolerância para medidas mal desenhadas e erros de procedimen­to, principalm­ente por causa do endividame­nto público.

De acordo com Borges, houve grande desperdíci­o principalm­ente no auxílio emergencia­l, com estimativa­s indicando que R$ 50 bilhões foram pagos a quem não tinha direito.

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te, órgão do Senado que monitora as contas públicas), disse que a tolerância para erros em 2021 é menor poisa crise nãoém ais algo imprevisív­el e as necessidad­es da sociedade já são em grande parte conhecidas.

“No ano passado, ok, teve o problema do superdimen­sionamento porque os programas tiveram deserde senha- dos com rapidez. M asnes teano não se pode repetir o erro”, disse. Outra crítica feita por Salto éa necessidad­e de elevar ori gorno controle e no monitorame­ntos obre as medida spa raque elas sejam aprimorada­s.

“Faltou um maior acompanham­ento do governo para verificar onde teve uma superestim­ativa e onde precisava mexer, para avaliar e adaptar as necessidad­es”, disse. Ele dá como exemplo o repasse a estados e municípios, visto por parte dos economista­s como exagerado. “Agora, o governo já tem o aprendizad­o do ano passado. Ou espera-se que tenha”, disse Salto.

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