Folha de S.Paulo

Para Guedes, Brasil pode virar uma Venezuela

Declaraçõe­s do ministro ocorrem em meio a ações intervenci­onistas de Bolsonaro, como na Petrobras

- Fábio Pupo

Em meio a ações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que foram interpreta­das como intervençã­o em estatais, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que o Brasil pode virar uma Argentina ou uma Venezuela rapidament­e caso continue aumentando seu endividame­nto e tome decisões erradas de política econômica.

“Para virar a Argentina, seis meses; para virar Venezuela, um ano e meio. Se fizer errado, vai rápido. Agora, quer virar Alemanha, Estados Unidos? [São necessário­s] 10, 15 anos na outra direção”, afirmou.

A declaração foi feita durante conversa gravada na sexta-feira (26) e veiculada nesta terça-feira (2) pelo podcast Primocast.

Há cerca de dez dias Bolsonaro criticou a gestão atual da Petrobras e indicou o general Joaquim Silva e Luna para a presidênci­a da companhia no lugar de Roberto Castello Branco. Também afirmou que iria “meter o dedo” na energia elétrica, e anteriorme­nte se irritou com a gestão do Banco do Brasil —o presidente da instituiçã­o já sinalizou que quer deixar o cargo para evitar desgaste.

Na conversa, Guedes defendeu o controle do endividame­nto público, contrapart­idas para o auxílio emergencia­l e a execução da agenda liberal —dizendo que ela abrirá um caminho de prosperida­de para o país.

“Você prefere juro baixo, muito investimen­to, emprego, renda, Bolsa subindo, todo o mundo ganhando, estourando champanhe, um país da prosperida­de, ou prefere ir para a Venezuela ?”, questionou o ministro em outro momento.

Guedes voltou ao assunto para dizer que o comentário sobrevir ar outros países vizinhos era exagero, mas só para alterara estimativa de tempo em que isso ocorreria( segundo ele, seriam três anos para se transforma­r em uma Argentina e cinco ou seis para se tornar uma Venezuela).

Guedes defendeu privatizaç­ões co moada Eletrobras até para gerar recursos para os mais carentes. Sem citar nomes, criticou o uso de estatais para benefício da classe política e financiame­nto de campanhas eleitorais.

Em sua visão, os lobbies de empregados também travam atarefa .“Está cheio de gente pendurada lá com salário alto, benefício, aposentado­rias muito boas, férias que pode vender para a empresa. Tem muitos privilégio­s”, disse.

Em certo momento, ao mencionar a Petrobras, o ministro chegou a criticar uma frase usada recentemen­te pelo próprio Bolsonaro, e que também é usada pela esquerda. “Tem uma turma que começa: ‘O petróleo é nosso’. É nosso? Então dá para a gente. Vamos dar para o povo brasileiro. Vamos pegar os dividendos da Petrobras e entregar uma parte para o povo brasileiro”, afirmou Guedes.

“Ou paga dividendos ou vende e dá dinheiro para eles. O que não pode é ficar gerando prejuízo para eles”, disse o ministro, citando a ideia de criar um fundo para receber tais recursos.

Na semana passada, Bolsonaro citou a frase após anunciar a troca no comando da estatal. “O petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo no Brasil?”, indagou o chefe do Executivo no dia 22.

Guedes defendeu que o auxílio emergencia­l seja aprovado no Congresso com as contrapart­idas de ajuste fiscal em médio e longo prazo previstas na PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) Emergencia­l.

No texto, há previsão de itens como o congelamen­to de salários no setor público em momentos de calamidade pública e de aperto orçamentár­io.

Em sua visão, liberar o benefício sem as compensaçõ­es “seria caótico para o Brasil, teria um efeito muito ruim”.

E aproveitou o tópico para voltar ao assunto da Venezuela. “Tentou empurrar o custo para as futuras gerações? Os juros começam a subir, acaba o cresciment­o, começa a confusão, endividame­nto em bola de neve, aumenta o desemprego... Caminho da miséria, da Venezuela, da Argentina”, disse.

Ele afirmou que continuará no cargo enquanto tiver a confiança de Bolsonaro e não tiver que empurrar o Brasil para o caminho errado.

“Se eu estiver conseguind­o ajudar o Brasil, fazendo as coisas em que acredito, eu devo continuar. A ofensa não me tira daqui. O que me tira é a perda da confiança do presidente, ir para o caminho errado. Se eu tiver que empurrar o Brasil para o caminho errado, eu prefiro não empurrar. Isso não aconteceu”, disse.

Durante o programa, o ministro ainda defendeu seu trabalho e lamentou críticas na imprensa e de políticos de oposição, apesar de reconhecer uma série de pendências na agenda econômica.

“Em algumas coisas, ficamos para trás. As privatizaç­ões estão muito atrasadas, bastante. A reforma tributária nossa também atrasou. A abertura da economia ia bem, mas chegou a Covid”, disse, para em seguida citar pontos que considera positivos, como a reforma da Previdênci­a e remoções de burocracia no país.

“Acho que estou retribuind­o à altura, fazendo meu trabalho com seriedade e dedicação. Sacrifique­i minha família, que vive uma vida mais difícil e limitada. Podia estar viajando, rodando o mundo e fazendo outras coisas, [mas] estou aqui preso de manhã, tarde e noite. Não sei que dia é sábado, domingo, não sei as horas. Acorda, trabalha, lê, trabalha. Mas é um senso de missão”, disse.

Guedes disse que entrou para a vida pública inadvertid­amente e que aceitou o desafio por ter confiado em Bolsonaro. “Estava ajudando alguém, de repente foi radicaliza­ndo a eleição e eu vim. Porque eu confiei nas intenções do presidente; tem ótimas intenções, responsabi­lidade com o país. E é bom para a democracia oscilar [de correntes, ora de esquerda, ora de direita]. Parti da ideia de que, vindo para cá, eu teria apoio do presidente para fazer as mudanças, porque ele também quer mudanças. Isso de certa forma me trouxe”, disse.

 ?? Marlene Bergamo/Folhapress ?? Cartazes da campanha ‘Bolsocaro’, em SP, realizada por designers, com críticas à alta dos preços dos alimentos
Marlene Bergamo/Folhapress Cartazes da campanha ‘Bolsocaro’, em SP, realizada por designers, com críticas à alta dos preços dos alimentos

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