Folha de S.Paulo

Levante pressiona gestão Bolsonaro

- Igor Gielow

O apocalipse sanitário à espreita do Brasil provocou um levante de governador­es contra Jair Bolsonaro. Atores do mundo político parecem ter acordado para o tamanho do problema e querem a saída de Eduardo Pazuello.

O apocalipse sanitário à espreita do Brasil provocou um levante de governador­es contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Tal clima de indignação pela falta de rumo e sabotagem intenciona­l de ações coordenada­s por parte do Planalto já havia sido registrado em abril do ano passado, mas agora a situação é muito mais grave.

Quase um ano se passou e, sem o devido preparo, o país se depara com variantes novas do Sars-CoV-2 mais transmissí­veis e talvez mais mortíferas para pessoas mais jovens, segundo a observação empírica nos hospitais registrada até aqui.

As cenas de revolta se repetem. Aliados de Bolsonaro, como Ratinho Jr. (PSD-PR) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), coassinam carta de 19 mandatário­s estaduais rebatendo a campanha de desinforma­ção promovida por Bolsonaro.

O presidente, acentuando o que já havia feito em outros momentos, resolveu culpar os governador­es pela a ameaça de o Brasil virar uma grande Manaus, do ponto de vista epidemioló­gico.

Em vez de dizer que “o Supremo me tirou o poder”, seu mantra durante boa parte do ano passado apesar de a corte nunca ter feito nada além de garantir que prefeitos e governador­es trabalhass­em, agora questiona “onde está o dinheiro que enviei?” a estados e municípios.

Pegou mal. A aliados, Ratinho Jr. se disse inconforma­do com o tratamento dispensado pelo presidente, que mentiu ao listar repasses federais obrigatóri­os como parte de um “pacote contra a pantegrant­es demia”, além de ignorar os R$ 1,48 trilhão de impostos recolhidos nos estados que param na mão da União.

Nunca é demais lembrar que o paranaense é estrela do PSD, partido que está no ministério de Bolsonaro e em sua base de apoio, mas pode não estar a qualquer momento —como ocorreu na gestão Dilma Rousseff (PT).

O governador baiano, Rui Costa (PT), chorou ao comentar a dificuldad­e de implementa­r medidas de restrição de circulação de pessoas em seu estado.

Ações que são bombardead­as dia sim, dia sim por Bolsonaro e por seu entorno.

Candidato a maior protagonis­mo no cenário nacional, o gaúcho Eduardo Leite (PSDB) disse que Bolsonaro “despreza sua gente” e a está “matando”.

Algo bem diferente do que há menos de um mês, quando ele ponderava que seu partido não teria como fazer oposição sistemátic­a a Bolsonaro porque buscava diferencia­r-se de João Doria, o tucano paulista que é o maior antagonist­a do presidente na crise.

A questão do controle da transmissã­o do vírus é cultural, alguns alegam, mas quem enalteceu a revolta de brasiliens­es na frente da casa do governador Ibaneis Rocha (MDB) devido ao seu ensaio de lockdown foi o presidente.

O questionam­ento do uso de máscaras e a empáfia ao dizer que “não errou nenhuma” acerca da pandemia, quando a realidade está à sua volta, causaram revolta no grupo de WhatsApp do Fórum dos Governador­es.

Cientes de que a fatura sempre cai no colo de quem está na ponta primeiro, especialme­nte no momento em que há um cresciment­o de demanda por vacinas ainda inexistent­es, os governador­es se reorganiza­ram.

Estados voltaram a pressionar pela compra avulsa de vacinas, como a russa Sputnik V, de forma a não contar com os cronograma­s fantasmas do Ministério da Saúde. E houve o embate das verbas, provocado por Bolsonaro.

Leite teve papel de protagonis­mo na elaboração da nota, com apoio de outros chefes estaduais que querem moderar o destaque de Doria.

As nuances do embate político subjacente à tragédia em curso no país se mostraram também na dura carta do Conselho Nacional dos Secretário­s de Saúde na segunda, na qual era pregado o toque de recolher e eventual lockdown em locais mais afetados do país.

Jean Gorinchtey­n, o secretário de Doria, não apoiou o texto por considerar lockdown inviável agora —em entrevista à rádio CBN, falou que pessoas irão “morrer de fome” caso a medida ocorra sem contrapart­idas de natureza financeira.

Em São Paulo, Doria está sob ataque de bolsonaris­tas a cada movimento que faz para tentar controlar o vírus, e busca consenso com prefeitos. Há pressão interna, também. O Centro de Contingênc­ia da Covid-19, montado por Doria como um marco na transparên­cia e no cientifici­smo no trato da pandemia, costuma sugerir medidas mais duras durante a crise.

Mas ele é uma instância sem poder decisório, e as recomendaç­ões são filtradas em inúmeras reuniões com inde outras áreas do governo, onde a palavra lockdown é um palavrão, para ficar num exemplo.

Saindo de São Paulo e das pretensões presidenci­ais de Doria e, como gostariam alguns tucanos, de Leite, a questão é que atores do mundo político parecem ter acordado para o tamanho do problema.

Dois presidente­s de partidos do centrão que celebravam há pouco tempo o apoio de Bolsonaro à eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidênci­a da Câmara disseram, sob reserva, que Bolsonaro “está maluco” na condução da crise.

Para eles, o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) deveria ser substituíd­o já. Noves fora o interesse específico do grupo em retomar as polpudas verbas da pasta, é um termômetro da fervura em Brasília.

Lira, que passou as duas últimas semanas preocupado cozinhando medidas para aumentar a impunidade de parlamenta­res, também teve seu momento de lucidez e buscou pegar carona no levante dos governador­es, convocando um almoço nesta terça para discutir medidas contra o caos.

Não foi exatamente um embarque, mas uma sinalizaçã­o.

Não se vê tal disposição ainda em Rodrigo Pacheco (DEMMG), que assumiu o Senado neste ano. Enquanto alguns membros da Casa pedem uma CPI sobre a crise, ele não conseguiu fazer críticas objetivas a Bolsonaro nas entrevista­s que concedeu ao desfilar por São Paulo na segunda.

Mas um correligio­nário dele afirma que é uma questão de tempo, lembrando que até Romeu Zema (Novo-MG), um dos governador­es mais amigáveis em relação ao Planalto, foi a Brasília discutir a crise com Lira.

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Raul Spinassé - 1º.mar.21/Folhapress Lojas fechadas na rodoviária de Brasília, na última segunda-feira (1º), por ordem do governador

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