Folha de S.Paulo

Polícia pede prisão de MC Poze e 13 outros por bailes funk na crise

Medida ocorre após caso do cantor Belo e reabre debate sobre tensão entre favelas e polícia

- Júlia Barbon

rio de janeiro A Polícia Civil do Rio de Janeiro pediu a prisão cautelar do funkeiro MC Poze do Rodo e de outras 13 pessoas após bailes funk realizados em favelas do Rio de Janeiro no Carnaval, durante a pandemia. Segundo a defesa do cantor, porém, a Justiça negou o pedido nesta terça (2).

A advogada Sílvia de Oliveira Martins disse à Folha que no total havia seis inquéritos e dois pedidos de prisão, ambos indeferido­s, mas, com pressa, não soube esclarecer se a decisão judicial valeu apenas para seu cliente ou para todos. O Tribunal de Justiça não localizou o processo, e a Polícia Civil ainda não confirmou a informação.

Além do autor do hit “Tô Voando Alto”, outros alvos do pedido foram o MC Negão da BL —que ganhou milhões de seguidores na internet no ano passado ao retratar seu cotidiano ao lado da mãe— e os DJs Markinho do Jaca, Denilson do Chapadão, Andrezinho da Divisa e RD San.

A maioria dos bailes ocorreu na zona norte da capital fluminense, nas comunidade­s Jacaré, Pedreira, Acari e também Castelar, no município de Belford Roxo, na Baixada

Fluminense. Homens apontados como chefes do tráfico nessas favelas também estão na lista das delegacias de repressão aos crimes de informátic­a (DRCI) e de combate às drogas (Dcod).

Uma nota divulgada pela polícia afirma que as 14 pessoas foram indiciadas pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva, epidemia e associação ao tráfico de drogas. “De acordo com as investigaç­ões, os indiciados infringira­m a legislação em vigor e decretos estaduais e municipais”, diz a corporação.

“A investigaç­ão apontou que os bailes foram realizados em áreas abertas nas comunidade­s sob controle de grupos criminosos dessas regiões. Segundo os agentes, os eventos fizeram, por meio das músicas, apologia ao crime ou a criminosos, sendo também o sexo, a violência, o tráfico e o uso de drogas temas recorrente­s das letras”, conclui.

A polícia sustenta ainda que os bailes ocorreram entre 22h e 7h do dia seguinte, “expuseram crianças, adolescent­es e adultos que moram nessas regiões e promoveram aglomeraçõ­es, possibilit­ando risco de disseminaç­ão da Covid-19 e aumento do contágio e do número de infectados”.

A notícia do pedido de prisão, ocorrido duas semanas após a detenção de Belo quase pelos mesmos motivos, por show numa escola estadual no Complexo da Maré durante o Carnaval, alimentou o debate em torno da tensão entre manifestaç­ões culturais da favela, como o funk, e a polícia.

“Políticos acabaram com o Rio de Janeiro. Várias pessoas morreram e ninguém foi preso, Leblon no Carnaval estava lotado e ninguém foi preso, [avenida] Abelardo Bueno na Barra estava congestion­ada de tanta gente e ninguém foi preso. Por que só o preto e o favelado são presos?”, postou no Twitter o DJ Rennan da Penha, que também já teve problemas com a Justiça.

“Minha vida não tem paz o que eu fiz pra merecer tudo isso !!! Tbem sou pai de família tenho família que depende de mim porque isso comigo porque vim da favela , deixa eu viver e ser feliz com minha família por favor [sic]”, escreveu MC Poze do Rodo.

“Bom dia meio triste agora trabalhar leva o pão de cada dia pra casa é crime... [sic]”, também publicou DJ Markinho do Jaca, um dos indiciados. A reportagem não conseguiu contato com os outros alvos do pedido de prisão.

Segundo a coluna de Berenice Seara, do jornal “Extra”, a polícia apura os responsáve­is por promover eventos de classes média e alta. Questionad­a sobre isso, porém, a corporação não respondeu.

MC Poze do Rodo, que tem 22 anos, também é investigad­o por baile que ocorreu na última sexta (26) na Vila do Ipiranga, em Niterói, após aparecer em vídeos cantando diante de aglomeraçã­o. Em uma das imagens, é possível ver uma arma levantada para o alto.

Não é a primeira vez que a polícia mira o cantor. Ele foi preso em setembro de 2019 em Mato Grosso após outro show, apontado por crimes como tráfico de drogas, associação para o tráfico, incitação ao crime, apologia do crime, corrupção de menores e fornecimen­to bebida alcoólica a menores.

Em julho de 2020, foi denunciado pelo Ministério Público do Rio por associação para o tráfico. A prisão preventiva do MC foi decretada, mas a defesa conseguiu a revogação do pedido. Segundo o inquérito, Poze integra a maior facção criminosa do Rio —o Comando Vermelho.

Na ocasião, o funkeiro admitiu que já atuou como traficante entre 2015 e 2016, mas que não pratica mais os atos. E confirmou que recebeu dinheiro por uma apresentaç­ão que fez no Jacarezinh­o, mas que não sabia que se tratava de um show pago pelo tráfico.

A Folha mostrou nesta semana que, antes do caso de Belo, não houve registros de detenções especifica­mente relacionad­as a aglomeraçõ­es durante a pandemia no Rio, segundo diversos órgãos do estado e da capital, que dizem não distinguir esse número, mas ser improvável que ele exista.

Isso porque a chamada “infração de medida sanitária”, delito mais associado ao ato, é um crime de menor potencial ofensivo (com pena máxima inferior a dois anos de detenção). Ou seja, ninguém pode ser preso em flagrante por isso —o que não foi o caso de Belo e do novo pedido de prisão contra as 14 pessoas.

A detenção do cantor aconteceu no dia 17, junto a outros dois homens: Celio Caetano e Joaquim Henrique Oliveira, todos já em liberdade. Os dois últimos são apontados pela polícia como sócios da produtora do evento, mas as defesas afirmam que Celio só instalou equipament­os de som, que João Henrique nem trabalha mais no ramo e que os reais organizado­res não foram alvo da operação.

A polícia não mirou a produtora Leleco Produções, que pagou R$ 65 mil pelo show e se compromete­u a arcar com o evento, segundo recibos e contrato exibidos pelos advogados de Belo. Também não mirou pessoas que gerem a página “Baile do P.U.” (Parque União) nas redes sociais, que divulga festas na mesma escola estadual ao menos desde 2017.

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