Folha de S.Paulo

Sem limites morais ou humanos

- Ruy Castro

rio de janeiro Na sexta-feira última (26), Jair Bolsonaro foi na mosca ao escolher o Ceará para cometer novos crimes contra a vida, induzindo o país a ignorar o isolamento, aglomerar-se nas ruas e não usar máscara. O Ceará é um dos estados em escuro no mapa, em que a taxa de ocupação das UTIs passa de 90%. Significa que muitos de seus apoiadores cearenses —ou os pais ou mães deles—, eventualme­nte apanhados pela Covid, podem estar morrendo na porta do hospital por falta de leito.

Vindo de um presidente da República, tal atitude só seria natural num irresponsá­vel. Mas Bolsonaro sabe o que faz —o que tem a ganhar com isso é mais importante. Suponha que tal convite à insubordin­ação, assim como suas mentiras, seu poder corruptor e sua truculênci­a, faça parte de uma estratégia anterior a ele, já provada vitoriosa.

Há mais de 50 anos, outro governante rompeu com seu partido, traiu os aliados e dedicou-se a desmoraliz­ar o Congresso, o Judiciário e até as Forças Armadas. Esvaziou também a ciência, o ensino, a segurança pública e a própria administra­ção e exortou seus seguidores a exercer a chamada democracia direta, através de grupos paramilita­res livres para atuar. Esse governante —o “mito” que garantia tamanho caos— se chamava Mao Tsé-tung. E essa política foi a Revolução Cultural, que, enquanto durou, de 1966 a 1976, praticou toda espécie de violência em nome da “verdade”.

Bolsonaro está cumprindo à risca esse plano, que não conhece limites morais ou humanos. Seu objetivo é o poder absoluto, e, para isso, corrompe e paga bem os que lhe são úteis —enquanto lhe são úteis. Virada a página, Bolsonaro os abate e abandona na estrada, donde os de farda, terno ou toga que se julgam seus aliados por ideologia preparem-se para surpresas. O poder só é poder se absoluto.

Mao morreu em 1976, aos 82 anos, e a Revolução Cultural acabou. Nem o poder absoluto é eterno.

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