Folha de S.Paulo

Refloresta

O ato de trazer de volta à vida aquilo que parecia morto (inclusive o rio Doce)

- Juliano Ribeiro Salgado Cineasta indicado ao Oscar com o documentár­io ‘O Sal da Terra’, é vice-presidente do Instituto Terra, onde atua na luta pela recuperaçã­o do meio ambiente

Dizem que desmatar cria riqueza. Uma riqueza que justificar­ia os escândalos provocados pelos desmates e queimadas que chocam o mundo todos os anos.

A crença no progresso trazido pelo desmate é um motor importante das nossas politicas públicas e agrícolas desde que se pensa a ocupação da Amazônia. Mas de que realmente estamos falando?

Será que uma terra queimada convertida em propriedad­e privada realmente traz riqueza para a comunidade onde o desmate acontece, ou para a sociedade brasileira como um todo?

Longe da Amazônia e de suas controvérs­ias, o Instituto Terra, situado na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, no lugar exato onde o rio Doce cruza a fronteira entre os dois estados, segue seu caminho há pouco de mais de 20 anos.

Meus pais, Lélia e Sebastião Salgado, fundadores do Instituto Terra, aprenderam ao longo dos anos como se replanta uma floresta de 2 milhões de árvores. Assistindo à recuperaçã­o da natureza e ao desenvolvi­mento das técnicas que resultaram no Instituto Terra, eu me juntei à luta para contribuir ao que me parecia ser uma ideia maior para a comunidade.

Em Minas, na região do rio Doce, palco de uma das maiores tragédias ambientais dos tempos modernos, não tem água. Durante o período da estiagem, pequenas cidades dependem de caminhões-cisternas para sobreviver. Propriedad­es secam. O mundo para. Não foi por acaso que começamos a recuperar as nascentes. Essa era uma tentativa de amenizar as consequênc­ias do clima, que está cada vez mais seco.

Nossa técnica para recuperar água, simples e barata, consiste em refloresta­r nascentes, instalar sistemas de tratamento de águas usadas e criar pequenas retenções de águas pluviais para carregar as reservas hídricas do lençol freático.

Dez anos separam a primeira das 2.000 nascentes recuperada­s. A constataçã­o é radiante. Onde interviemo­s, a água voltou e a produtivid­ade de pequenas propriedad­es aumentou substancia­lmente.

Onde um casal mal sobrevivia em cima de dez hectares, hoje vivem e trabalham pais, filhos e avôs. Em meio a árvores e à água, uma pequena terra consegue dar sustento a três gerações.

Hoje concentram­os nossos esforços para recuperar as nascentes que abastecem córregos, que por sua vez desembocam em riachos, afluentes do moribundo rio Doce. A ideia de um dia trazer o lamacento rio envenenado de volta à vida é possível.

O fato é que nosso esforço para recuperar propriedad­es agrícolas transcende o mundo da agricultur­a e permeia a sociedade como um todo.

Quando concentram­os nossa ação em propriedad­e rurais, em volta de um córrego que deixa de secar durante a estiagem e passa a abastecer uma pequena cidade o ano todo, podemos afirmar que estamos criando uma riqueza que irriga toda a população da região. O aumento da renda das famílias, que vivem nas propriedad­es onde a água voltou, participa diretament­e do aqueciment­o da economia local.

A riqueza criada pelo refloresta­mento das nascentes chega em regiões com déficit de todo tipo de capital. Quando este novo capital aparece, ele penetra em muitos níveis da sociedade, e seus benefícios vão muito além do mundo rural.

Refloresta­mos pequenas porções que, somadas, viram um rio inteiro. Por isso decidimos fazer da “refloresta” o símbolo da ação do Instituto Terra.

Refloresta­r é o ato de trazer de volta à vida aquilo que parecia morto. Esse conceito converge perfeitame­nte na ação do instituto que refloresta a terra plantando árvores em campos degradados, que refloresta a água recuperand­o suas nascentes, que refloresta a educação transmitin­do técnicas e conceitos para que seja desenvolvi­da uma agricultur­a sustentáve­l e mais produtiva, que refloresta a existência das pessoas aumentando a renda e melhorando a qualidade de vida de todos.

Por meio do conceito “refloresta”, o Instituto Terra propõe uma alternativ­a sustentáve­l ao modelo destrutivo em vigência.

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Dez anos separam a primeira das 2.000 nascentes recuperada­s. A constataçã­o é radiante. Onde interviemo­s, a água voltou e a produtivid­ade de pequenas propriedad­es aumentou substancia­lmente. Onde um casal mal sobrevivia em cima de dez hectares, hoje vivem e trabalham pais, filhos e avôs. (...) O aumento da renda das famílias participa diretament­e do aqueciment­o da economia local

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