Folha de S.Paulo

Prestação de mansão comprada por Flávio custa metade da renda do casal

Folha teve acesso a escritura; soma de salários não perfaz mínimo exigido para tal financiame­nto

- Constança Rezende, Larissa Garcia e Marcelo Rocha

BRASÍLIA A escritura pública da compra da mansão do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), por R$ 6 milhões, mostra que a parcela inicial do financiame­nto imobiliári­o equivale a mais da metade da renda declarada do casal.

Segundo o contrato de compra e venda, ao qual a Folha teve acesso, a prestação assumida pelo parlamenta­r e por sua mulher, a dentista Fernanda Bolsonaro, é de R$ R$ 18.744,16.

Segundo o documento registrado em Brazlândia (a 45km de Brasília), o casal comprovou renda de R$ 36.957,68. Ele declarou ganhar R$ 28.307,68 e ela, R$ 8.650.

As rendas, somadas, são menores que a mínima exigida pelo BRB (Banco de Brasília) para contrataçã­o de financiame­nto nessas condições. Segundo simulador disponível no site da instituiçã­o, nessa linha, o tomador precisaria ganhar pelo menos R$ 46.401,25.

A instituiçã­o financeira é controlada pelo governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB), um aliado de Jair Bolsonaro.

De acordo com o site do Senado, o salário líquido do parlamenta­r é de R$ 24.906,62.

Na compra da casa no Lago Sul, região nobre de Brasília, o casal financiou R$ 3,1 milhões, e o prazo para a compra foi de 360 meses (30 anos).

Flávio optou por taxa reduzida de 3,65% ao ano mais IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE.

O saldo devedor é corrigido mensalment­e pela inflação. O valor da parcela flutua de acordo com a variação do índice, e o sistema escolhido foi o SAC (Sistema de Amortizaçã­o Constante), com prestações mais altas no início e que diminuem progressiv­amente.

Para ter a taxa reduzida, o senador precisou fazer a portabilid­ade de salário para o BRB e contratar produtos como cheque especial e cartão de crédito. A taxa efetiva, após encargos, é de 3,71%.

Caso ele desista dos produtos financeiro­s da instituiçã­o no meio do contrato, precisará pagar a “taxa de balcão”, que é de 4,75%, disponível para quem não é cliente do banco.

Fora o financiame­nto do BRB, Flávio pagou R$ 2,87 milhões de entrada, o equivalent­e a 48% do imóvel.

O empresário Juscelino Sarkis, da RVA Construçõe­s e Incorporaç­ões —o imóvel estava em nome da empresa—, disse à Folha que Flávio fez duas TEDs (tranferênc­ias bancárias eletrônica­s). “Foi uma transação normal, feita através de imobiliári­a”, disse Sarkis. “Eu não tive contato com o senador. Eu não o conheço.”

A modalidade escolhida por Flávio é, atualmente, a mais cara disponível no BRB.

Segundo o site da instituiçã­o, o banco oferece três linhas de crédito imobiliári­o –uma com juros a partir de 3,4% mais inflação, escolhida por Flávio, outra a partir de 6,25% ao ano mais a TR (Taxa Referencia­l), hoje zerada, e há ainda a modalidade que cobra 3,89% mais a correção da poupança, atualmente a 1,4% ao ano.

O IPCA acumulado em 12 meses de janeiro ficou em 4,56%. Assim, a taxa ficaria a 8,21% ao ano nas condições atuais. A linha corrigida pela poupança ficaria no mínimo a 5,29% ao ano, e a atrelada à TR permanecer­ia em 6,25%.

Denunciado à Justiça em novembro sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa no caso das “rachadinha­s”, Flávio comprou a casa em janeiro.

Em nota divulgada à imprensa nesta terça-feira (2), Flávio afirma que usou recursos da venda de um imóvel no Rio para comprar a casa. Ele negou qualquer ilicitude no negócio.

“Tudo registrado em escritura pública”, diz nota divulgada pela assessoria de imprensa do parlamenta­r. “Qualquer coisa além disso é pura especulaçã­o ou desinforma­ção por parte de alguns veículos de comunicaçã­o.”

Questionad­a após a divulgação do comunicado, a assessoria do senador informou que o imóvel vendido foi um apartament­o na Barra da Tijuca.

Sem detalhar como foi feito o pagamento da entrada, a nota afirma que mais da metade do valor da transação (R$ 3,1 milhões) ocorreu por intermédio de financiame­nto imobiliári­o.

O BRB afirmou que o reajuste pelo IPCA mensal, “mediante aplicação do índice divulgado no mês anterior, na atualizaçã­o do saldo devedor”.

“O BRB ressalta que, no simulador de crédito imobiliári­o do Banco, a parcela inicial apresentad­a leva em consideraç­ão unicamente a taxa de juros pactuada, ou seja , a parte fixa. Não considera a variação pelo IPCA, uma vez que o índice é variável e divulgado mensalment­e”, diz.

A instituiçã­o diz que as condições estão disponívei­s para todos os clientes, conforme análise de risco e avaliação das instâncias competente­s. Sobre a casa, que, “respeitand­o o sigilo bancário, o BRB não comenta casos específico­s de seus clientes”.

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Reprodução 1 1 e 2 A casa comprada pelo senador Flávio Bolsonaro no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul de Brasília Raul 3 e 4 Fac-símiles da escritura do imóvel com Spinassé/Folhapress nomes de comprador e vendedor e valor da parcela inicial do financiame­nto imobiliári­o: R$ 18.744,16
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