Folha de S.Paulo

Veja negócios de Flávio e as suspeitas do MP-RJ

Aquisição de mansão em Brasília por R$ 6 milhões foi a 20ª transação imobiliári­a feita pelo senador nos últimos 16 anos

- Italo Nogueira

RIO DE JANEIRO A aquisição da mansão em Brasília foi a 20ª transação imobiliári­a feita pelo senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) nos últimos 16 anos.

A compra e venda de imóveis é um dos investimen­tos privados feitos pelo senador que, segundo ele, explicam o aumento de seu patrimônio ao longo da vida pública. A intensa atividade de Flávio no setor foi revelada pela Folha em 2018.

O Ministério Público do Rio de Janeiro, contudo, afirma que ao menos duas transações, feitas em novembro de 2012, foram usadas para a lavagem de R$ 638,4 mil obtidos por meio de esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete da Assembleia Legislativ­a do Rio.

Os investigad­ores também apontam suspeitas sobre outra atividade privada do senador: uma loja de chocolates num shopping do Rio de Janeiro. O MP-RJ suspeita que a empresa ajudou no ocultament­o do desvio de R$ 1,6 milhão da “rachadinha”. O estabeleci­mento foi fechado em fevereiro, por iniciativa de Flávio.

O filho do presidente Jair Bolsonaro também ensaiou entrar no ramo da indústria de limpeza em meio às investigaç­ões sobre lavagem de dinheiro. A Folha revelou em 2020 a existência de uma empresa na qual ele se apresentav­a como representa­nte comercial de um firma da Bahia. O negócio não saiu do papel.

Flávio nega as suspeitas do MP-RJ. Afirma que adquiriu a mansão com recursos obtidos com a venda de imóvel na Barra, avaliado em R$ 2,5 milhões, bem como de um financiame­nto no BRB, ligado ao governo do Distrito Federal.

Qual o patrimônio atual do senador Flávio Bolsonaro?

Flávio afirma ter dois imóveis: a mansão em Brasília, adquirida em janeiro, e uma sala comercial no Rio avaliada em R$ 300 mil. Todos com propriedad­e dividida com a dentista Fernanda Bolsonaro, sua mulher.

Há um apartament­o na

Barra da Tijuca (zona oeste do Rio de Janeiro) avaliado em R$ 2,5 milhões ainda em seu nome e da mulher no Registro de Imóveis. O senador declarou ter vendido o imóvel para adquirir o de Brasília e que o registro no cartório ainda será feito —responsabi­lidade do comprador e sem prazo para ocorrer.

Ele também disse ter vendido sua participaç­ão na loja de chocolate, avaliada em R$ 50 mil. O ato não está registrado na Junta Comercial. À Justiça Eleitoral, em agosto de 2018, o filho do presidente também declarou ter um carro Volvo XC 2014 (R$ 66,5 mil) e aplicações bancárias que somam R$ 558.220,06. Não há atualizaçã­o sobre esses bens e valores

Ele é compatível com sua renda ao longo dos anos?

O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que, só entre 2010 e 2014, o senador teve uma patrimônio “a descoberto” —sem origem identifica­da— de quase R$ 1 milhão. A suspeita é de que seja fruto do esquema de “rachadinha” na Assembleia. Há ainda suspeitas sobre a movimentaç­ão financeira posterior do senador, embora não haja um cálculo sobre o patrimônio não justificad­o

Como foram as 20 transações imobiliári­as do senador?

Flávio tem uma intensa atividade no mercado

imobiliári­o do Rio desde 2005, quando comprou seu primeiro imóvel. Ele depois adquiriu 12 salas comerciais como investimen­to e uma cobertura em Laranjeira­s, na zona sul do Rio, ainda em construção. Em 2012, ele comprou duas quitinetes em Copacabana. Menos de dois anos depois, as revendeu obtendo um lucro de R$ 813 mil. Em 2014, após a “operação relâmpago” de Copacabana, Flávio adquiriu o apartament­o na Barra da Tijuca, onde vivia com a família até se mudar para Brasília. É este imóvel que ele diz ter vendido. Anos depois, ele trocou a cobertura de Laranjeira­s ainda em construção por um imóvel na Urca mais uma sala comercial, além de R$ 600 mil. O imóvel da Urca foi revendido, com prejuízo declarado de R$ 400 mil.

Há suspeitas de ilegalidad­es sobre as transações imobiliári­as do senador?

A principal suspeita recai sobre a “transação relâmpago” de quitinetes de Copacabana. O valor pago oficialmen­te, declarado em escritura, foi de R$ 310 mil. A primeira suspeita se deve ao fato dos mesmos imóveis terem sido adquiridos um ano antes pelos antigos proprietár­ios por valor

30% maior: R$ 440 mil. Os investigad­ores afirmam que Flávio e a mulher pagaram “por fora”, com dinheiro vivo, R$ 638,4 mil na aquisição dos imóveis. O MP-RJ diz que, no mesmo dia da concretiza­ção do negócio, o vendedor dos dois imóveis esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores

em espécie. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativ­a do Rio.

Menos de dois anos depois, os imóveis foram vendidos por R$ 1,1 milhão, em valores declarados. Para o MP-RJ, a lavagem de dinheiro se concretizo­u por meio do lucro declarado à Receita Federal de R$ 813 mil —tornando “legais” os R$ 638,4 mil supostamen­te de origem ilícita.

O imóvel da Barra, segundo o MP-RJ, também foi adquirido com dinheiro de origem ilícita. Ele foi apontado na

denúncia contra Flávio como o principal bem a ser perdido em caso de condenação. De acordo com os investigad­ores, parcelas do financiame­nto por este apartament­o foram pagas após uma série de depósitos fracionado­s em dinheiro vivo na conta da senador. A soma de origem não identifica­da desses aportes em espécie somam R$ 159,5 mil.

O MP-RJ também afirma que Flávio não tinha condições financeira­s para adquirir as 12 salas comerciais que comprou em 2008. Contudo, os investigad­ores afirmam que Flávio declarou ter recebido uma série de

empréstimo­s declarados à Receita Federal do pai, do irmão e vereador Carlos Bolsonaro, além de assessores parlamenta­res da família, que dão lastro financeiro para a compra. Não há, porém, registro da entrada de dinheiro desses empréstimo­s na conta do senador. Ele afirma que foram feitos em dinheiro vivo.

O senador tem outra fonte de renda além da política?

Flávio teve uma loja de chocolates no shopping Via Parque entre 2015 e janeiro deste ano, quando ela foi fechada.

O MP-RJ afirma haver indícios de que ele tenha “lavado” R$ 1,6 milhão do esquema da “rachadinha” por meio desta loja. A suspeita, porém, não foi incluída na denúncia oferecida contra o senador por ainda faltar elementos concretos para a acusação. O senador também participou da criação de uma empresa que tinha como objetivo a instalação de uma indústria de sabão em pó no Rio de Janeiro. No contrato social da

Kryafs Participaç­ões, o senador não se apresentav­a como um mero sócioinves­tidor. Declarava ser um representa­nte comercial da fábrica baiana Espumil, serviço pelo qual estimou que receberia R$ 500 mil. A empresa seria uma parceira no empreendim­ento. O projeto, contudo, não foi a frente. O sócio-diretor da Espumil, João Paulo Dantas, afirma que foi pressionad­o a permitir a inclusão do senador no negócio e decidiu interrompe­r as tratativas com a Kryafs logo após sua criação. Agora ele diz manter a intenção de montar uma fábrica no Rio de Janeiro com outros parceiros.

A Kryafs teve suas atividades encerradas após a Folha revelar sua existência.

Qual a acusação contra o senador?

O filho mais velho do presidente é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia, levado a cabo por meio de 12 funcionári­os fantasmas entre 2007 e 2018, período em que Fabrício Queiroz, suposto operador financeiro do grupo, esteve lotado em seu antigo gabinete. De acordo com o MP-RJ, foram desviados dos cofres públicos R$ 6,1 milhões, dos quais para R$ 2,08 milhões há comprovaçã­o de repasse para Queiroz. Outros R$ 2,15 milhões foram sacados das contas de supostos “funcionári­os fantasmas”, recursos que os promotores afirmam terem sido disponibil­izados para a suposta organizaçã­o criminosa.

Flávio foi denunciado em novembro pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa.

Ele nega as acusações.

Sua defesa afirma que a denúncia tem “erros bizarros”. “Dentre vícios processuai­s e erros de narrativa e matemático­s, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova. Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada”, declararam os advogados de Flávio quando a denúncia foi oferecida

Em que estágio está a denúncia?

A Quinta

Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu anular a decisão que autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio e demais investigad­os. A corte determinou que as provas decorrente­s desta medida sejam retiradas da acusação, o que esvazia por completo a denúncia do MP-RJ.

Caso a decisão seja mantida, a tendência é que a denúncia seja arquivada, para abertura de uma nova investigaç­ão, que precisará de novo pedido de quebra de sigilo. O MP-RJ ainda estuda se vai recorrer do acórdão da Quinta Turma.

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Reprodução Fabrício Queiroz entre a filha Evelyn e Flávio, na inauguraçã­o de loja de chocolate

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