Folha de S.Paulo

Filho de camelôs, novo diretor do Livres quer aproximar liberalism­o de questões sociais

- Fábio Zanini

SÃO PAULO Xará do criador do socialismo científico, nascido em um morro de Petrópolis (RJ) e com pais que vendiam gorros de lã para os torcedores do Maracanã, Magno Karl, 38, percorreu um caminho improvável até chegar ao comando de um dos principais movimentos liberais do país.

Nesta segunda (1º), Karl — que é sobrenome mesmo, e não uma homenagem dos pais a Karl Marx—, assumiu a direção-executiva do movimento Livres, substituin­do Paulo Gontijo, que foi trabalhar na Prefeitura do Rio de Janeiro.

O grupo, criado em 2016, defende pautas liberais tanto na economia quanto nos costumes. Tem cerca de 5.000 associados e 29 detentores de mandatos eletivos, espalhados por partidos como Novo, PSDB, Cidadania e Podemos.

A troca de comando no Livres acontece no momento em que o liberalism­o brasileiro, ainda um movimento restrito, busca se expandir. Para isso, diz Karl, é preciso ampliar os temas tratados e o apelo junto à população.

“Não precisamos falar de debate macroeconô­mico o tempo todo. Um movimento liberal que seja sério precisa dialogar com todos”, diz ele.

Isso significa agregar à tradiciona­l defesa do Estado mínimo alguns temas sociais. O Livres, afirma o novo diretor, sempre terá em pautas como privatizaç­ão, abertura econômica e desregulam­entação seu carro-chefe. Mas também quer tratar de assuntos como o fim do serviço militar obrigatóri­o e a regulament­ação da prostituiç­ão.

Mesmo temas que são um verdadeiro vespeiro, como o direito às armas, deve ser enfrentado. Como movimento liberal, o Livres defende por princípio a possibilid­ade do cidadão se armar, o que inevitavel­mente o aproxima dos conservado­res que orbitam o governo de Jair Bolsonaro.

A diferença, afirma Karl, é que não há adesão cega a esse princípio, e é possível debater gradações e maneiras de implementá-lo.

“O acesso às armas é um direito individual. Entre os nossos princípios está o direito à autodefesa. Quando se entra no debate de política pública, temos posições divergente­s. Algumas pessoas no movimento acham que deve ter posse e não porte. Outras acreditam em restrição a tipos de armamento, ou o número de armas”, declara.

O Livres é crítico do governo Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, não por agenda defendida, que é a mesma do movimento, mas pela falta de implementa­ção de medidas liberaliza­ntes.

“Não defendemos a pauta liberal porque é o Paulo Guedes, defendería­mos se fosse o [Joaquim] Levy, ou o [Henrique] Meirelles. Nem conheço o Paulo Guedes. Nosso compromiss­o é com a pauta”, afirma.

E, nesse sentido, a falta de resultados é palpável. Não apenas contam-se nos dedos os resultados da agenda liberal, como há diversos recuos ordenados por Bolsonaro. O último e talvez mais simbólico, obviamente, é a intervençã­o na Petrobras.

“O enfraqueci­mento simbólico da pauta liberal é muito preocupant­e”, diz Karl.

O Livres se orgulha de ter lugar de fala na oposição a Bolsonaro. Até o início de 2018, o movimento estava incubado no PSL, acreditand­o que poderia usar a legenda como veículo para a difusão das ideias liberais. Em janeiro daquele ano, quando Bolsonaro entrou no partido por uma porta, os liberais saíram por outra.

Desde então, o grupo transmutou-se num movimento supraparti­dário, oferecendo agenda liberal para ser adotada por autoridade­s que comunguem de seus princípios.

É por isso que, em 2022, o Livres não deverá apoiar formalment­e nenhum candidato a presidente. “Provavelme­nte teremos associados nossos envolvidos em mais de uma campanha”, afirma Karl.

Ele mesmo era filiado ao Novo, exercendo o cargo de assessor político da bancada do partido na Câmara dos Deputados, antes de se candidatar à vaga de diretor do Livres. Aprovado num processo interno de seleção, decidiu desfiliar-se para evitar conflito de interesses, apesar de isso não ser obrigatóri­o.

Seu objetivo, afirma, é consolidar o Livres como um “centro irradiador de ideias”, investindo em treinament­o de novas lideranças, organizaçã­o de seminários e assistênci­a a liberais com mandatos eletivos.

Igualmente importante, diz ele, é tentar evitar ser consumido pela eterna batalha das redes sociais. “A disputa por like, essa guerra de rede social, em que tudo se dá em termos de preto ou branco, de posicionam­entos muito definitivo­s, oferece risco.”

Antes de assumir a diretoria-executiva do Livres, Karl, foi diretor de Políticas Públicas do movimento. Ele afirma que se descobriu liberal por volta de 2005, quando passou a frequentar eventos de entusiasta­s do tema. Lá, percebia o quanto era um estranho no ninho. “Me sentava lá nas reuniões e via que não tinha ninguém como eu. Era um movimento de gente muito rica.”

Formado em ciências sociais pela Universida­de Federal do Rio de Janeiro, ele ganhou uma bolsa e fez mestrado em políticas públicas na Alemanha. No momento, cursa doutorado em ciência política. Também estagiou no instituto Cato, um dos difusores do liberalism­o nos EUA.

Seus pais, embora não vendam mais gorrinhos na porta do Maracanã, seguem morando num morro de Petrópolis.

Sua origem, diz Karl, pode ajudá-lo na tarefa de expandir o apelo do liberalism­o para além da Faria Lima. “Se você não faz ideia de o que é pobreza, não consegue falar de pobreza”, afirma.

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Divulgação O novo diretor-executivo do Livres, Magno Karl

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