Ernesto Araújo rebate críticas e nega atritos com Pequim e Washington
Em rara aparição, chanceler defende sua gestão no Itamaraty e reclama de dossiê entregue à Casa Branca
BRASÍLIA O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, rebateu nesta terça (2) os críticos que o acusam de conduzir uma política externa prejudicial aos interesses do Brasil e disse que o país mantém uma “visão estratégica” com os EUA, mesmo na gestão do democrata Joe Biden.
As declarações ocorreram numa rara entrevista coletiva, em que o chanceler colocou foco em temas comerciais e deixou em segundo plano a pauta conservadora que marca sua gestão no Itamaraty.
O ministro se queixou que exista a opinião que sua administração “é prejudicial aos interesses nacionais”, sobretudo na dimensão comercial.
“Temos alguns parâmetros para mostrar que não é absolutamente assim. Nosso saldo comercial cresceu nos últimos dois anos”, afirmou o ministro, lembrando que a balança comercial do país atingiu no ano passado US$ 50 bilhões (R$ 285 bilhões) —resultado impulsionado principalmente pelas vendas do agronegócio.
Ernesto abordou em boa parte de sua fala a relação bilateral do Brasil com os EUA.
Nos dois primeiros anos do mandato de Jair Bolsonaro, o governo apostou suas fichas numa aliança com o então presidente Donald Trump.
A política de “alinhamento automático” gerou críticas, principalmente após a derrota do republicano na eleição de novembro do ano passado.
Ernesto afirmou ter construído uma “estrutura de confiança” com os americanos.
“Isso não foi interrompido com a mudança de governo nos EUA. Mas claro que uma relação profunda como a que estávamos construindo, num país democrático, não se transpõe às vezes automaticamente quando muda o governo, porque depende de um encaixe. Mas esse encaixe continua sendo totalmente possível”, declarou o chanceler.
“Todos os sinais são de que essa visão estratégica permanece e continuará rendendo esses resultados”, afirmou.
Apesar do tom moderado, Ernesto atacou iniciativas da sociedade civil que, segundo ele, atuam para “criar deliberadamente uma imagem distorcida do Brasil no exterior”.
Ele se referiu a um seminário organizado na Universidade Harvard e a um relatório entregue ao governo Biden, elaborado por acadêmicos e ONGs, recomendando a suspensão de acordos entre os EUA e o governo Bolsonaro.
“É basicamente uma obra de ficção, muito ruim em termo de estilo. Uma obra de ficção que procurou ser vendida e apresentada como a realidade do Brasil”, disse Ernesto.
Ele também criticou a carta de ex-ministros do Meio Ambiente endereçada aos governos de França, Alemanha e Noruega, em que os autores denunciam a devastação causada pela Covid-19 na Amazônia.
De acordo com o chanceler, esse tipo de iniciativa “afeta nossos interesses” e prejudica a implementação do acordo comercial assinado entre o Mercosul e a União Europeia.
Ernesto foi questionado em mais de uma ocasião sobre as relações do Brasil com a China e sobre os episódios em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —filho do presidente— bateu boca nas redes com o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming.
No primeiro choque, Eduardo responsabilizou o regime de Pequim pela disseminação do coronavírus, o que fez Yang reagir e chamar a fala do parlamentar de “insulto maléfico” contra o povo chinês.
Meses depois, Eduardo acusou a China de querer espionar outros países com a tecnologia 5G, o que gerou nova resposta da missão diplomática.
Nas ocasiões, o ministério de Relações Exteriores repreendeu a embaixada da China.
“O que aconteceu no caso foi uma opção diferente [da embaixada], um embate nas redes sociais, contestando inclusive a liberdade de expressão que rege no Brasil. Num tom assim, em alguns casos, meio de ameaça em relação à sociedade brasileira, dizendo que quem fala mal da China vai se arrepender. Isso é completamente fora da prática diplomática. Procuramos chamar a atenção para isso”, disse.
“Isso não gerou absolutamente nenhum problema com a China”, complementou Ernestou. Para ele, a “chamada de atenção” do governo teve “bom resultado no sentido de uma atuação mais correta por parte da embaixada”.
Em outro momento, ele disse que a atuação da embaixada chinesa nos episódios com Eduardo estava “prejudicando a imagem da China no Brasil”.
O ministro foi questionado diretamente sobre a informação de que, em expediente sigiloso, ele chegou a pedir a Pequim a substituição do embaixador da China no Brasil.
O caso foi publicado pela Folha. A China ignorou os pedidos. O ministro não respondeu à pergunta e reiterou que o relacionamento com o governo chinês é positivo.
“Claro que uma relação profunda como a que estávamos construindo [com os EUA], num país democrático, não se transpõe às vezes automaticamente quando muda o governo, porque depende de um encaixe. Mas esse encaixe continua sendo totalmente possível Ernesto Araújo ministro das Relações Exteriores