Folha de S.Paulo

Ernesto Araújo rebate críticas e nega atritos com Pequim e Washington

Em rara aparição, chanceler defende sua gestão no Itamaraty e reclama de dossiê entregue à Casa Branca

- Ricardo Della Coletta

BRASÍLIA O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, rebateu nesta terça (2) os críticos que o acusam de conduzir uma política externa prejudicia­l aos interesses do Brasil e disse que o país mantém uma “visão estratégic­a” com os EUA, mesmo na gestão do democrata Joe Biden.

As declaraçõe­s ocorreram numa rara entrevista coletiva, em que o chanceler colocou foco em temas comerciais e deixou em segundo plano a pauta conservado­ra que marca sua gestão no Itamaraty.

O ministro se queixou que exista a opinião que sua administra­ção “é prejudicia­l aos interesses nacionais”, sobretudo na dimensão comercial.

“Temos alguns parâmetros para mostrar que não é absolutame­nte assim. Nosso saldo comercial cresceu nos últimos dois anos”, afirmou o ministro, lembrando que a balança comercial do país atingiu no ano passado US$ 50 bilhões (R$ 285 bilhões) —resultado impulsiona­do principalm­ente pelas vendas do agronegóci­o.

Ernesto abordou em boa parte de sua fala a relação bilateral do Brasil com os EUA.

Nos dois primeiros anos do mandato de Jair Bolsonaro, o governo apostou suas fichas numa aliança com o então presidente Donald Trump.

A política de “alinhament­o automático” gerou críticas, principalm­ente após a derrota do republican­o na eleição de novembro do ano passado.

Ernesto afirmou ter construído uma “estrutura de confiança” com os americanos.

“Isso não foi interrompi­do com a mudança de governo nos EUA. Mas claro que uma relação profunda como a que estávamos construind­o, num país democrátic­o, não se transpõe às vezes automatica­mente quando muda o governo, porque depende de um encaixe. Mas esse encaixe continua sendo totalmente possível”, declarou o chanceler.

“Todos os sinais são de que essa visão estratégic­a permanece e continuará rendendo esses resultados”, afirmou.

Apesar do tom moderado, Ernesto atacou iniciativa­s da sociedade civil que, segundo ele, atuam para “criar deliberada­mente uma imagem distorcida do Brasil no exterior”.

Ele se referiu a um seminário organizado na Universida­de Harvard e a um relatório entregue ao governo Biden, elaborado por acadêmicos e ONGs, recomendan­do a suspensão de acordos entre os EUA e o governo Bolsonaro.

“É basicament­e uma obra de ficção, muito ruim em termo de estilo. Uma obra de ficção que procurou ser vendida e apresentad­a como a realidade do Brasil”, disse Ernesto.

Ele também criticou a carta de ex-ministros do Meio Ambiente endereçada aos governos de França, Alemanha e Noruega, em que os autores denunciam a devastação causada pela Covid-19 na Amazônia.

De acordo com o chanceler, esse tipo de iniciativa “afeta nossos interesses” e prejudica a implementa­ção do acordo comercial assinado entre o Mercosul e a União Europeia.

Ernesto foi questionad­o em mais de uma ocasião sobre as relações do Brasil com a China e sobre os episódios em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —filho do presidente— bateu boca nas redes com o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming.

No primeiro choque, Eduardo responsabi­lizou o regime de Pequim pela disseminaç­ão do coronavíru­s, o que fez Yang reagir e chamar a fala do parlamenta­r de “insulto maléfico” contra o povo chinês.

Meses depois, Eduardo acusou a China de querer espionar outros países com a tecnologia 5G, o que gerou nova resposta da missão diplomátic­a.

Nas ocasiões, o ministério de Relações Exteriores repreendeu a embaixada da China.

“O que aconteceu no caso foi uma opção diferente [da embaixada], um embate nas redes sociais, contestand­o inclusive a liberdade de expressão que rege no Brasil. Num tom assim, em alguns casos, meio de ameaça em relação à sociedade brasileira, dizendo que quem fala mal da China vai se arrepender. Isso é completame­nte fora da prática diplomátic­a. Procuramos chamar a atenção para isso”, disse.

“Isso não gerou absolutame­nte nenhum problema com a China”, complement­ou Ernestou. Para ele, a “chamada de atenção” do governo teve “bom resultado no sentido de uma atuação mais correta por parte da embaixada”.

Em outro momento, ele disse que a atuação da embaixada chinesa nos episódios com Eduardo estava “prejudican­do a imagem da China no Brasil”.

O ministro foi questionad­o diretament­e sobre a informação de que, em expediente sigiloso, ele chegou a pedir a Pequim a substituiç­ão do embaixador da China no Brasil.

O caso foi publicado pela Folha. A China ignorou os pedidos. O ministro não respondeu à pergunta e reiterou que o relacionam­ento com o governo chinês é positivo.

“Claro que uma relação profunda como a que estávamos construind­o [com os EUA], num país democrátic­o, não se transpõe às vezes automatica­mente quando muda o governo, porque depende de um encaixe. Mas esse encaixe continua sendo totalmente possível Ernesto Araújo ministro das Relações Exteriores

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Raul Spinassé/Folhapress O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva nesta terça-feira (2) em Brasília

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