Folha de S.Paulo

Belarus condena jornalista que desmentiu versão da polícia sobre morte de pintor

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas Por “criar um clima de desconfian­ça e incentivar violência” —ao publicar reportagem que desmentia versão da polícia—, uma jornalista do principal site da Belarus foi condenada nesta terça (2) a seis meses de prisão. Sua fonte, um médico, recebeu pena de dois anos, com adiamento.

O caso começou em novembro do ano passado, quando um pintor de 31 anos, Roman Bondarenko, tentou impedir que policiais arrancasse­m fitas brancas e vermelhas do pátio de seu edifício em sinal de protesto contra a ditadura de Aleksandr Lukachenko.

Vídeos divulgados naquela noite nas redes mostraram o pintor sendo espancado por policiais à paisana e levado em uma van sem identifica­ção, para uma delegacia. Duas horas depois, ele foi transferid­o para um hospital de Minsk, com traumatism­o craniano, entrou em coma e morreu. No dia seguinte à morte, a polícia afirmou que os exames mostravam que Bondarenko estava alcoolizad­o.

Seguindo pistas de que essa afirmação era falsa, a repórter Katerina Borisevich, 36, do site independen­te Tut.by, publicou reportagem com o título “Médico do serviço de emergência: ‘Roman Bondarenko tinha 0 ppm de álcool, nada foi encontrado’”. Além do anestesiol­ogista Artiom Sorokin, que atendeu o pintor no hospital, testemunha­s e família corroborav­am a afirmação de que ele não havia bebido.

A jornalista e sua fonte foram detidos uma semana depois, acusados de “divulgação desegredos­m édicos comgravesc­onse quências ”. A procurado ria- geral disseque a informação de que o pinto restava sóbrio quando foi preso “aumentou a tensão na sociedade, criou um clima de desconfian­ça em relação às autoridade­s e incentivou os cidadãos à agressão e ações ilegais”.

Borisevich é especializ­ada em temas jurídicos e ganhou vários prêmios, entre eles o diploma de primeiro lugar em “profission­alismo e competênci­as jornalísti­cas”, dado pela própria procurador­ia-geral que a acusou agora.

Os advogados da repórter e do médico pretendem recorrer —até a apelação, Borisevich ficará em um centro de detenção preventiva. Sorokin foi solto sob fiança. Se após um ano não cometer novos delitos, terá a pena suspensa.

O caso já havia levado à condenação de duas repórteres de TV no dia 18 de fevereiro, por terem filmado um protesto contra a repressão da ditadura e a morte do pintor. Elas foram acusadas de “incitar a população a se manifestar ilegalment­e por meio de suas reportagen­s” —na Belarus, manifestaç­ões são proibidas sem autorizaçã­o do regime, e jornalista­s têm sido presos por cobri-las, mesmo que estejam trabalhand­o credenciad­os.

Desde a eleição presidenci­al —considerad­a fraudada— em 9 de agosto do ano passado, mais de 400 repórteres já foram detidos, dos quais boa parte foi condenada a penas de detenção de até 25 dias.

Jornalista­s e ativistas se tornaram os principais alvos da repressão de Lukashenko nos últimos meses. Dezenas de sites foram fechados, e o regime fez buscas em vários escritório­s, entre eles o da Associação de Jornalista­s da Belarus.

Entidades são acusadas de “apoiar os protestos e agir como agentes estrangeir­os, organizand­o e financiand­o protestos sob o pretexto de atividades de direitos humanos”.

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