Folha de S.Paulo

Ministro indica que perdeu controle sobre política econômica

- Bruno Boghossian

No primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro anunciou que deixaria as decisões da economia nas mãos do ministro daquela área. “Não discuto. É 100% com o Guedes”, afirmou. Alguns meses depois, o número teve uma mudança simbólica, mas reveladora. “Na economia, 99% o Paulo Guedes decide, e 1% sou eu”, declarou o presidente, em maio passado.

Àquela altura, as porcentage­ns já eram generosas para um ministro que tinha planos vetados pelo Palácio do Planalto quase todas as semanas. Os obstáculos se tornaram tão frequentes que nem o próprio Guedes consegue esconder que perdeu o controle majoritári­o da política econômica.

Um sintoma é a declaração do ministro sobre o risco de o Brasil “virar Venezuela” caso continue ampliando gastos e tomando decisões equivocada­s na economia. Há dois anos, Guedes poderia dizer que governos anteriores eram os culpados por meter o país nesse caminho, mas o poder já está nas mãos de outros personagen­s há 26 meses.

Na prática, o ministro apontou que existe uma cartilha de aperto nas contas públicas disponível desde que ele assumiu o cargo, mas sugeriu que outras autoridade­s estão interessad­as em seguir uma rota diferente. Descontada­s as pressões políticas do Congresso pela ampliação de gastos, o perigo que ele enxerga vem de outro edifício da Praça dos Três Poderes.

A fala de Guedes em entrevista ao podcast Primocast, divulgada nesta terça (2), ocorreu no momento em que Bolsonaro abandonou o pudor de atropelar a agenda econômica. A decisão do presidente de intervir na Petrobras e reduzir tributos sobre o diesel sugere que o ministro não apenas tem dificuldad­es para implantar suas medidas como também ficou sem condições de vetar o que considera erros de percurso.

O desembaraç­o com que Bolsonaro fez essas manobras indica que a lógica política superou de vez as restrições da doutrina econômica de Guedes. No passado, o presidente demonstrav­a desconfort­o com o preço dos combustíve­is, mas os conselhos do auxiliar eram suficiente­s para contê-lo. Agora, com a proximidad­e de sua campanha à reeleição, passou a ser quase impossível segurá-lo.

Quando fala publicamen­te sobre o risco de deterioraç­ão da economia brasileira, Guedes marca diferenças em relação a Bolsonaro e manda um recado para o chefe.

Ao longo da primeira metade do governo, essas tensões fabricadas foram suficiente­s para puxar o freio dos instintos políticos do presidente. A obstinação do Planalto em abrir caminho para 2022, no entanto, pode fazer com que o desgaste do ministro se aprofunde.

Guedes reconhece a incompatib­ilidade de seus planos com as circunstân­cias eleitorais, mas também se mostra disposto a expor essas tensões. Quando Bolsonaro decidiu trocar o presidente da Petrobras, o ministro disse ao presidente numa reunião reservada que aquela era uma “jogada política” com um “efeito econômico terrível”. Os alertas foram parar nas páginas da revista Veja —o que foi interpreta­do pelo Palácio do Planalto como uma forma de pressão.

Desta vez, os atritos públicos não fizeram com que o presidente recuasse. Ao contrário, Bolsonaro tentou expandir seu movimento de intervençã­o para o setor elétrico. Se tiver sucesso na contenção dos preços dos combustíve­is e da eletricida­de, é pouco provável que ele volte a abrir espaço para os conselhos de Guedes.

Essas circunstân­cias podem redefinir a relação política entre o presidente e o ministro. Nos dois primeiros anos de mandato, os choques entre os dois produziram muita faísca e pouco fogo. Guedes continuou no cargo porque fez concessões ao chefe e porque Bolsonaro considerav­a o auxiliar uma peça importante para manter a estabilida­de econômica.

Agora, os objetivos do presidente mudaram. Bolsonaro pensa mais nos efeitos imediatos de medidas como a contenção do preço do diesel do que na trajetória da dívida e nos humores do mercado financeiro. Se Guedes deixar de ser um aliado obediente para se tornar um obstáculo, as chamas podem aparecer.

Se tiver sucesso na contenção dos preços dos combustíve­is e da eletricida­de, é pouco provável que Bolsonaro volte a abrir espaço para os conselhos de Guedes

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