CVM detecta movimentação atípica com ações da Petrobras
Órgão pode investigar informação privilegiada antes de anúncio de troca na estatal
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) detectou movimentação atípica em operações na Bolsa de Valores sugestivas de que investidores detinham informação privilegiada de mudança no comando da Petrobras antes de ter sido anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A área técnica da CVM, junto com a B3, faz uma análise prévia para avaliar a necessidade de instauração de processo. Apesar das chances de abertura de investigação, a Folha apurou que ainda não há decisão nesse sentido.
No dia 18 de fevereiro, houve duas grandes compras de contratos de opção de venda das ações preferenciais (mais negociadas) da Petrobras.
A operação foi noticiada pela colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo. De acordo com a jornalista, as operações foram executadas por meio da corretora Tullett Prebon.
Procurada, a Tullett Prebon não respondeu ao contato.
Uma das formas de ganhar dinheiro com a desvalorização de um ativo é a compra de uma opção de venda de ação. Essa operação permite que o investidor ganhe dinheiro mesmo que a ação em si desvalorize.
Contratos de opções são uma forma de o investidor se proteger contra bruscas oscilações do mercado. Quem compra uma opção de venda adquire o direito de vender uma determinada ação, em data e preço predeterminados.
No caso da operação com a Petrobras, o contrato de opção de venda foi feito na quinta-feira (18), pregão em que a ação fechou cotada a R$ 29,27. O contrato vencia na segunda (22) e dava o direito a vender a ação a R$ 26,50.
Para exercer a opção e vender as ações a R$ 26,50, o investidor teria que comprá-las no dia do vencimento. Ou seja, a operação só seria lucrativa se a ação estivesse sendo negociada abaixo de R$ 26,50 no dia 22, o que representaria uma queda de 9,50% em relação à cotação do dia 18.
Os primeiros sinais de estresse com a Petrobras, porém, vieram apenas após o fechamento do pregão daquela quinta, na live do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, ele criticou o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, e disse que promoveria mudanças na companhia.
No pregão de sexta (19), os papéis preferenciais da estatal caíram para R$ 27,33 e, na segunda (22), após Bolsonaro anunciar a troca no comando da Petrobras (o que fora feito na sexta, mas após o fechamento do mercado), foram para R$ 21,45, uma queda de 26,7% em relação a quinta (18).
Por não parecer ser uma operação lucrativa no dia 18, os contratos de opções de vendas de ações da Petrobras a R$ 26,50 eram negociados a apenas R$ 0,04.
De acordo com a B3, foram duas grandes compras deste contrato no dia 18. Uma às 17h35, de 2,6 milhões de opções, totalizando R$ 104 mil. Outra, às 17h44, de 1,4 milhões de opções, que somam R$ 56 mil.
Um pouco antes, das 16h45 às 17h15 naquele dia, Bolsonaro esteve reunido com os ministros Braga Netto (Casa Civil) Paulo Guedes (Economia), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Bento Albuquerque (Estado de Minas e Energia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
O pregão se encerra às 18h30 diariamente. A live de Bolsonaro com menção à Petrobras naquela quinta teve início às 19h02.
Participantes do mercado ouvidos pela reportagem preferem comentar em sigilo, por se tratar de crime, mas todos dizem estar óbvio se tratar de insider trading, já que a troca no comando da Petrobras não era uma informação pública durante o pregão do dia 18.
Insider trading é o uso de informações privilegiadas para a obtenção de ganhos no mercado financeiro.
Considerando o preço de fechamento da ação no dia 22, de R$ 21,45, a compra de 4 milhões de ações custaria R$ 85,8 milhões. Com o custo de R$ 160 mil das opções, o valor total da operação totalizaria R$ 85,96 milhões. Vendê-las a R$ 26,50 daria R$ 106 milhões, gerando um lucro de R$ 20 milhões.
Não é possível saber quanto o investidor lucrou ao certo. A quantidade e o valor de opções de venda exercidas não foram disponibilizadas pela B3.
Por sigilo bancário, também não é possível ter mais informações do operador.
Via assessoria, a CVM disse que acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário e que não comenta casos específicos.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e a deputada federal Tábata Amaral (PDTSP) encaminharam nesta terça um ofício ao presidente da CVM , Marcelo Barbosa, solicitando a abertura de um inquérito administrativo para apurar possível uso de informação privilegiada na negociação de ações da Petrobras.