Folha de S.Paulo

Cheiro de bolha no ar

Empresas de tecnologia estão avaliadas como em 1999

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Um modelo mental importante para o bom investidor é a familiarid­ade com a história financeira e o reconhecim­ento de seus padrões no contexto contemporâ­neo. Quem já viu uma bolha talvez ande com sensação de déjà-vu.

O mercado financeiro é povoado por especialis­tas comumente desprovido­s de sabedoria multidisci­plinar, que muitas vezes nem vivenciara­m um ciclo econômico completo. O caso do investidor novato é ainda mais frágil. A história não se repete, mas rima.

A trágica mistura de inflação e recessão no mundo ao longo dos anos 1970, denominada “estagflaçã­o”, foi considerad­a por muitos a ruína da política inflacioná­ria keynesiana em voga. Estava ancorada na curva de Phillips, que indicava estatistic­amente uma relação inversa entre desemprego e inflação.

Os keynesiano­s passaram a considerá-la uma lei da economia: “O governo sempre pode diminuir o desemprego gerando mais inflação”. É o clássico engano de extrapolar uma observação estatístic­a para uma política pública por meio de generaliza­ção excessiva.

Deu tudo errado: a estagflaçã­o empobreced­ora perdurou até o pragmático Paul Volcker assumir o Fed, em 1979, e controlar a inflação jogando os juros nas alturas e interrompe­ndo a impressão de dinheiro.

Esse keynesiani­smo raso já havia morrido e ressuscita­do anteriorme­nte. Sua origem é o mercantili­smo dos séculos 17 e 18, mais tarde destronado por Adam Smith e demais liberais clássicos. Keynes ressuscito­u o vampiro doidão nos anos 1930. Parafrasea­ndo a canção atribuída erroneamen­te a Raul, “se emprego fosse álcool, eu morria de cirrose; se inflação fosse droga, eu morria de overdose”. Por sinal, poucos notaram que a lei da autonomia do BC a ser sancionada em breve pelo presidente ressuscito­u o emprego como meta secundária de política monetária. Toca rima grave, Raul!

Muitos acharam que F. A. Hayek e Milton Friedman haviam fincado estacas de madeira letais no vampiro, munidos por boa teoria e dados empíricos. Venceram, mas não levaram. Apenas afastaram temporaria­mente a ameaça com “livros sagrados”. Ocorre que políticos adoram gastar e inflaciona­r. Emprestam prestígio e espaço a teorias que justifique­m o que desejam. O vampiro quer sangue.

Nesta década, a teoria-mascote dos políticos é a Modern Monetary Theory, ou MMT, o novo codinome para o inflacioni­smo. É uma convenient­e racionaliz­ação para o que os governos já vêm fazendo desde o ano passado: abrir todas as torneiras do gasto público e da impressão de dinheiro, simultanea­mente, como nunca na história.

Essa é a receita para uma bolha de ativos de risco e, presumidam­ente, para a ressurreiç­ão da inflação. Nesta terça (2), os mercados sofreram com a declaração do regulador bancário chinês de que “o problema da bolha nos mercados financeiro­s americanos e europeus, resultado de política monetária ultraagres­siva, pode estourar”.

De fato, várias classes de ativos estão com preços que parecem insustentá­veis. As empresas de tecnologia cotadas na Nasdaq estão com P/L de cerca de 60, similar ao ano de 1999, seis meses antes do estouro da bolha de tecnologia, em março de 2000. Rima emparelhad­a.

As taxas dos títulos de empresas de alto risco estão historicam­ente em seu nível mais baixo, próximas a 4% ao ano, taxa equivalent­e à que as empresas de menor risco do mundo, classifica­das como AAA, pagavam cinco anos atrás. Rima imperfeita.

Hoje, todos fogem de renda fixa para ações. Remete à famosa história apócrifa de Joe Kennedy, pai do futuro presidente, que, ao receber dicas de ações de seu engraxate, concluiu que era hora de vender as suas. Engraxate rima com disparate.

| dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen, Ronaldo Lemos | ter. Michael França, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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