Em Berlim, série ‘It’s a Sin’ mostra como que a Aids abalou a vida gay
Produção britânica levou sua mistura de sensualidade e tragédia à edição virtual do festival alemão de cinema
são paulo Uma sequência de cenas de sexo catártica, com pernas entrelaçadas, bundas aparentes e parceiros de vários tipos nas mais diversas posições resume a energia e a intensidade do episódio inagural da minissérie “It’s a Sin”.
Minutos depois, vem um desfecho sombrio, que muda o tom da história. Um corpo inerte é deitado num caixão, depois que o personagem morre de uma “doença misteriosa”. A frieza apaga qualquer fogo que havia sobrado da festa orgástica de mais cedo, mas não é uma surpresa.
A Aids, o grande tema da produção, estava à espreita desde o primeiro segundo da trama da HBO Max, ainda sem previsão de estreia no Brasil.
Parte do Festival de Berlim, que acontece nesta semana em formato virtual, “It’s a Sin” foi aclamada no Reino Unido, quando estreou em janeiro, por seu retrato autêntico e doloroso da epidemia que ceifou tantas vidas a partir dos anos 1980, especialmente as LGBTs.
Os elogios vieram como surpresa para a equipe por trás da história. As gravações de “It’s a Sin” escaparam da Covid-19 por pouco, mas a realidade pandêmica fez com que seu diretor, Peter Hoar, se preocupasse quanto à disposição do espectador de encarar um vírus mortal nas telas.
“Mas o tom de ‘It’s a Sin’ e a situação atual trabalharam a nosso favor, porque no fim essa é uma história sobre a vida, o amor. Faz com que as pessoas reflitam que qualquer um poderia ter sido uma vítima lá atrás, assim como agora”, diz ele, por videoconferência.
De fato, “It’s a Sin” não abandona a empolgação e a sensualidade nos seus outros quatro episódios, que cobrem uma década. Segundo Hoar e o criador da série, Russell T. Davies, era importante que os personagens mostrassem a potência do que foi a comunidade LGBT naqueles anos. E o que ela seria hoje, não fosse a doença que a devastou e a impregnou de mais estigma.
“Não queríamos drenar a vida e as cores, porque é justamente sobre isso que a série fala”, afirma Hoar. “Ela é sobre o amor gay jovem e o elenco é formado por pessoas que nós poderíamos ter perdido, se vivêssemos naquela época. Elas não fizeram nada de errado, só estavam se divertindo.”
À frente do grupo está Olly Alexander, vocalista da banda indie Years & Years. Ele vive Ritchie, um rapaz que abandona sua cidadezinha nos confins do Reino Unido para estudar em Londres. Dali em diante, ele vive uma vida muito, muito gay. Tudo graças ao Palácio Rosa, espécie de albergue com agenda cheia de festinhas e performances.
Lá, ele é vizinho de porta de Roscoe, que sai de casa de vestido depois que seus pais tentam curar sua homossexualidade, Colin, um tímido galês que trabalha nas alfaiatarias de Savile Row, e Ash, um descendente de indianos sexy e musculoso. E também tem Jill, sua melhor amiga e fiel escudeira. Participações especiais de figuras importantes do meio LGBT, como os atores Neil Patrick Harris e Stephen Fry, estão garantidas.
Em sua mistura de sensualidade, jovialidade e dor, “It’s a Sin” quer passar para o público o quão eletrizantes e cheios de possibilidades deveriam ter sido os anos 1980 para os LGBTs, sem esquecer o descaso com o qual a Aids, tachada de “doença gay”, foi tratada.
Muito além das transas e das festas babadeiras da nova série, a expectativa é que ela mostre um pouco de seu passado às gerações LGBTs mais novas. “Nosso objetivo nunca foi ensinar algo, mas eu acho que é importante conhecer nossa história”, diz Hoar.