Amanda Gorman vê escritora desistir de tradução depois de ataque por ser branca
bruxelas Parecia um diálogo interessante entre duas jovens revelações. A escritora e poeta holandesa não binária Marieke Lucas Rijneveld, que aos 29 anos se tornou a mais jovem pessoa a receber o importante prêmio Booker Internacional, traduziria para sua língua natal poemas da americana Amanda Gorman —que, aos 22, ganhou projeção ao declamar “The Hill We Climb” na posse do presidente americano, Joe Biden.
A escolha agradou a Gorman, segundo a editora holandesa Meulenhoff. A única exigência feita pela poeta americana era que o tradutor tivesse um relacionamento pessoal com sua poesia, em estilo e tom. Mas o projeto acabou na semana passada, quando a holandesa desistiu da empreitada, após uma onda de críticas por ser uma branca traduzindo a obra de uma negra.
“Estou chocada com o tumulto em torno do meu envolvimento na divulgação da mensagem de Amanda Gorman, mas entendo que as pessoas se consideram magoadas”, escreveu em rede social.
A campanha que levou à desistência foi desencadeada pela jornalista holandesa e ativista negra Janice Deul, que, em artigo, atacou a Meulenhoff. Segundo Deul, era “uma oportunidade perdida” a escolha de Rijneveld, “branca, não binária e sem experiência em palavra falada”, em vez da de uma tradutora “jovem, feminina e assumidamente negra”.
Ironicamente, antes de desistir do projeto, Rijneveld havia elogiado Gorman por oferecer pontes em um cenário de grande divisão social.
Durante a escalada de críticas, a editora defendeu sua escolha apontando uma “relação pessoal” da escritora holandesa com a obra de Gorman —ambas tiveram seu talento reconhecido ainda jovens e “não têm medo de falar”.
As afirmações de que Rijneveld “era branca demais para entender Gorman” levaram a Meulenhoff a anunciar a supervisão de “leitores sensíveis” —que revisam trabalhos para “proteger autores de deslizes relativos a minorias”.
Nas redes sociais, a renúncia de Rijneveld gerou reações antagônicas. Em vários comentários, houve questionamentos ao veto à escritora por causa da cor de sua pele ou de sua orientação sexual.
Já o tradutor —branco— do Parlamento da Holanda, Bert De Kerpel, defendeu que o principal motivo para rever a escolha deveria ser o fato de que ela não é tradutora.
Ele refuta por exemplo a crítica de que os poemas de Gorman somente podem ser traduzidos por negros porque brancos seriam incapazes de ter empatia suficiente.
Segundo Kerpel, a melhor pessoa para assumir o projeto seria “um tradutor literário inglês-holandês, se possível com especialização em poesia e na palavra falada”. Kerpel também criticou o recurso da editora de destacar “leitores sensíveis” para fiscalizar a tradução de Rijneveld.