Folha de S.Paulo

Seremos responsáve­is pelo que pode acontecer nas próximas semanas

Vivemos o pior momento da pandemia; enfrentá-lo é nossa responsabi­lidade

- Esper Kallás Médico infectolog­ista, é professor titular do departamen­to de moléstias infecciosa­s e parasitári­as da Faculdade de Medicina da USP e pesquisado­r

Um ano se passou e continuamo­s a ter surpresas. A grande onda de transmissã­o do novo coronavíru­s em outros países parece ter sido um alerta para o que poderia acontecer no Brasil.

Estamos diante de um novo cresciment­o de casos desde a segunda quinzena de fevereiro em várias regiões do Brasil, o que se reflete em mais internaçõe­s e mortes. Esse aumento tem caracterís­ticas diferentes do que aconteceu entre junho e agosto de 2020, quando diferentes regiões e estados não foram atingidos simultanea­mente. Desta vez, o aumento vem acontecend­o de forma semelhante nos diferentes lugares, o que coloca o sistema de saúde sob estresse muito mais intenso em todo o país.

Os números do estado de São Paulo assustam muito. Mesmo sendo o estado com maior disponibil­idade de números de leitos de enfermaria e UTI capazes de absorver pacientes com a doença, o cresciment­o nas diferentes regiões do estado projetam uma situação extremamen­te difícil.

Mantendo-se o ritmo de cresciment­o das últimas duas semanas, é possível que o estado de São Paulo não disponha de leitos suficiente­s para acolher casos graves em UTIs em menos de duas semanas.

Embora algumas regiões do Brasil estejam testemunha­ndo essa realidade, é difícil imaginá-la estendida para o estado com maior estrutura de recursos em saúde do país.

Manaus, com capacidade de internação de casos graves inferior, entrou em colapso já no início de janeiro. A tragédia vivenciada no estado do Amazonas, onde até o fornecimen­to de oxigênio hospitalar foi insuficien­te, não encontra precedente­s.

Outras regiões do país estão passando por enormes dificuldad­es. Os estados do sul já estão beirando os 100% de ocupação dos leitos provisiona­dos. Cidades de Minas Gerais estão em situação semelhante.

O cenário pode se agravar ainda mais com o alastramen­to de variantes virais de maior transmissi­bilidade. A variante inglesa já é detectada em grande número na cidade de São Paulo e já há relatos de transmissã­o local da variante de Manaus, a P.1, em diferentes locais do estado de São Paulo.

Ainda temos algum tempo, pouco tempo, para amenizar a gravidade do problema.

Muitos dos que poderão ser internados com Covid-19 em duas semanas ainda não foram infectados. Mas estão na iminência de contraírem o vírus, consideran­do-se que serão cinco dias, em média, de período de incubação e cerca de uma semana até que a doença se agrave. É o momento de aumentarmo­s ainda mais as medidas de proteção.

As imposições dos estados e municípios são desagradáv­eis, todos sabem disso. Restrições de mobilidade, fechamento de atividades econômicas, obrigatori­edade de uso de máscaras. E, pior, o efeito das medidas restritiva­s tendem a reduzir com a fadiga da população.

Entretanto, não restam outras alternativ­as ao constatarm­os que os serviços de saúde, públicos e privados, estão prestes a entrar em colapso.

O efeito destas medidas no combate à transmissã­o só será possível se assumirmos uma atitude responsáve­l. E aqui vale ressaltar o risco que todos correm, coletivame­nte.

Perceber que cada um de nós e nossos amigos e familiares estamos sob risco iminente é a forma mais direta para adaptarmos nosso comportame­nto, tentando frear a transmissã­o do vírus. Não há mais tempo a perder acreditand­o que o poder público resolverá o problema de todos.

Não tenhamos ilusões. Na vida real, todos seremos responsáve­is pelo que pode acontecer nas próximas semanas.

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