Folha de S.Paulo

Sucesso nordestino e fracasso carioca indicam a nova balança do futebol

The book is not on the table Acerca de deficiênci­as no ensino da língua inglesa.

- Bruno Rodrigues e Carlos Petrocilo

são paulo Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, aproveitav­a um raro momento de tranquilid­ade na última sextafeira (26), logo após o encerramen­to do Campeonato Brasileiro e com seu time classifica­do à Copa Sul-Americana.

O cartola concedia entrevista à Folha por telefone quando precisou interrompe­r a ligação para atender a uma chamada de Marcelo Paz, mandatário do Fortaleza. Os tricolores nordestino­s travaram até a última rodada uma briga por vaga na competição continenta­l.

A equipe cearense, inclusive, tinha chances remotas de rebaixamen­to, mas a reviravolt­a improvável que o Vasco precisava para se salvar não aconteceu, e Paz pôde, enfim, respirar aliviado com a manutenção na primeira divisão.

“Ficamos de debater estratégia econômica, de montagem de elenco para a próxima temporada. Que movimentaç­ões ele pretende fazer, quanto iria gastar. Eu, Marcelo e o Robinson [de Castro, presidente do Ceará] fazemos isso com muita frequência. É fruto dessa cumplicida­de nordestina”, afirmou Bellintani à Folha, logo após a conversa com o colega dirigente.

Assim como o Bahia, Fortaleza e Ceará conseguira­m se manter na elite do Nacional e, paralelame­nte, apresentam indicadore­s financeiro­s saudáveis.

Esse cenário de afirmação dos clubes nordestino­s (o Sport também garantiu a permanênci­a), aliás, é mais uma demonstraç­ão da rachadura que se abriu no bloco das 12 principais camisas do futebol brasileiro: Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio, Internacio­nal, Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, Corinthian­s, Palmeiras, São Paulo e Santos.

Na próxima edição da Série B, Cruzeiro —que vai para a segunda temporada consecutiv­a na segunda divisão—, Vasco e Botafogo estarão juntos lutando para retornar à elite.

Ao mesmo tempo em que clubes tradiciona­lmente poderosos —e historicam­ente com maior acesso ao dinheiro— vivem algumas de suas piores crises na história, outros aproveitam a instabilid­ade dessas instituiçõ­es para fincarem os dois pés na elite.

O Ceará, por exemplo, é o clube com o menor endividame­nto entre os participan­tes da última Série A, e seu rival local, o Fortaleza, vem logo atrás. Na lanterna desse indicador está o Botafogo, que também terminou na última colocação o Campeonato Brasileiro de 2020.

“O passivo bem baixo nos dá crédito e tranquilid­ade para planejar. Estamos há cinco anos conseguind­o superavit”, diz Robinson de Castro, presidente do alvinegro cearense. “O futebol brasileiro passa por uma repaginaçã­o, e essa mudança de patamar é reflexo do que acontece fora de campo também.”

Fundado em 1914, o Ceará fará nesta temporada o seu primeiro jogo oficial fora do país, pela Sul-Americana.

Com uma equipe bem organizada pelo técnico Guto Ferreira —que comandou o time nas 38 rodadas do campeonato— e boas atuações do meio-campista Vina, a equipe encerrou o Brasileiro com a melhor campanha de sua história na elite, na 11ª posição, com 52 pontos, um a mais que o Corinthian­s.

Rival no estado, Marcelo Paz compartilh­a da opinião de Castro. “Vamos ter uma Série A, em 2021, com dez equipes que, outrora, estariam na Série B e dentro da normalidad­e. Isso é fruto de gestão”, falou o presidente do Fortaleza. “Há tempos diziam que os clubes do Nordeste estavam se organizand­o e os do

Rio de Janeiro, com dificuldad­es. Isso se concretizo­u.”

Segundo estudo do Itaú BBA, que analisa as demonstraç­ões financeira­s dos 24 clubes mais bem colocados no ranking da CBF e traça cenários para o futebol nacional, se 20% das receitas totais dos clubes em cada temporada fossem destinados ao pagamento de débitos, o Botafogo só conseguiri­a quitar todas as suas dívidas, de quase R$ 1 bilhão, em pelo menos 19 anos —no seu último balanço, o clube divulgou um passivo de R$ 836 milhões contabiliz­ados antes da pandemia de Covid-19.

O Vasco levaria 13 anos para sair do vermelho, caso realocasse 20% de sua receita anual para abater dívidas.

O estudo se baseou na média de faturament­o dos três últimos anos, ou seja, quando ainda estavam na elite e antes da crise do coronavíru­s.

Ainda de acordo com o Itaú BBA, a relação entre dívidas de curto prazo e receitas totais dos clubes também indica a condição de saúde financeira das agremiaçõe­s. Índice inferior a 45% no peso dos débitos sobre o faturament­o é considerad­o saudável.

Em outra análise, apresentad­a pela EY, o endividame­nto do Botafogo é cinco vezes superior ao seu faturament­o, o do Cruzeiro chega a quatro e o do Vasco é três vezes maior do que o clube fatura.

Além da mancha histórica, o rebaixamen­to para a Série B tem como consequênc­ia uma redução de até 60% no orçamento. São perdas milionária­s, principalm­ente com a venda de direitos de transmissã­o.

No atual contrato de televisão válido para o período de 2019 a 2024, não existe a cláusula conhecida como paraquedas, que garantia cotas de Série A aos times em seu primeiro ano na Série B.

“Antes, um time de elite jogar a segunda divisão era um período sabático, mantinha-se a cota de televisão de R$ 100 milhões e ele enfrentava adversário­s com cota de R$ 7 milhões”, diz Fernando Ferreira, sócio da Pluri Consultori­a. “Vasco e Botafogo poderão voltar, mas terão que superar muitas dificuldad­es.”

Enquanto o Botafogo faturou R$ 101 milhões, e o Vasco R$ 119 milhões com cotas de TV e premiações na primeira divisão (segundo a EY, com dados referentes à temporada 2019), a dupla terá que escolher, na Série B, entre ganhar o fixo de R$ 8 milhões ou valores correspond­entes à venda de jogos no pay-per-view. A segunda opção para times de massa, assim como o Cruzeiro em 2019, tem sido mais rentável.

Nesse formato, a Globo repassa 38% do valor líquido obtido com a venda de assinatura­s para as equipes. O montante de cada uma é definido por meio de pesquisa com os torcedores (na hora de contratar o serviço, o assinante escolhe o seu time).

Ainda que tenham mantido um lugar na elite e o cenário seja mais positivo para os clubes nordestino­s, o comprometi­mento de receitas em meio à crise do coronavíru­s deixa a temporada de 2021 entre as mais imprevisív­eis dentro e fora do campo.

“O lado negativo é que temos receitas sensíveis, o nosso programa de sócio-torcedor teve uma queda de 60% consideran­do inadimplên­cia, cancelamen­tos e os não renovados”, afirmou Marcelo Paz.

Entre os R$ 120 milhões faturados pelo Fortaleza na temporada pré-pandemia, R$ 31 milhões foram com bilheteria e o programa de sócio-torcedor, que atrai torcedores por oferecer vantagens na compra de ingressos.

Bellintani diz que o Bahia deixou de arrecadar R$ 70 milhões e prevê que o prejuízo pesará no bolso nos próximos três anos.

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Ricardo Moraes - 10.jan.21/Reuters Fernando Sobral, do Ceará, em jogo no qual o time venceu o Flamengo
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