Sucesso nordestino e fracasso carioca indicam a nova balança do futebol
The book is not on the table Acerca de deficiências no ensino da língua inglesa.
são paulo Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, aproveitava um raro momento de tranquilidade na última sextafeira (26), logo após o encerramento do Campeonato Brasileiro e com seu time classificado à Copa Sul-Americana.
O cartola concedia entrevista à Folha por telefone quando precisou interromper a ligação para atender a uma chamada de Marcelo Paz, mandatário do Fortaleza. Os tricolores nordestinos travaram até a última rodada uma briga por vaga na competição continental.
A equipe cearense, inclusive, tinha chances remotas de rebaixamento, mas a reviravolta improvável que o Vasco precisava para se salvar não aconteceu, e Paz pôde, enfim, respirar aliviado com a manutenção na primeira divisão.
“Ficamos de debater estratégia econômica, de montagem de elenco para a próxima temporada. Que movimentações ele pretende fazer, quanto iria gastar. Eu, Marcelo e o Robinson [de Castro, presidente do Ceará] fazemos isso com muita frequência. É fruto dessa cumplicidade nordestina”, afirmou Bellintani à Folha, logo após a conversa com o colega dirigente.
Assim como o Bahia, Fortaleza e Ceará conseguiram se manter na elite do Nacional e, paralelamente, apresentam indicadores financeiros saudáveis.
Esse cenário de afirmação dos clubes nordestinos (o Sport também garantiu a permanência), aliás, é mais uma demonstração da rachadura que se abriu no bloco das 12 principais camisas do futebol brasileiro: Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos.
Na próxima edição da Série B, Cruzeiro —que vai para a segunda temporada consecutiva na segunda divisão—, Vasco e Botafogo estarão juntos lutando para retornar à elite.
Ao mesmo tempo em que clubes tradicionalmente poderosos —e historicamente com maior acesso ao dinheiro— vivem algumas de suas piores crises na história, outros aproveitam a instabilidade dessas instituições para fincarem os dois pés na elite.
O Ceará, por exemplo, é o clube com o menor endividamento entre os participantes da última Série A, e seu rival local, o Fortaleza, vem logo atrás. Na lanterna desse indicador está o Botafogo, que também terminou na última colocação o Campeonato Brasileiro de 2020.
“O passivo bem baixo nos dá crédito e tranquilidade para planejar. Estamos há cinco anos conseguindo superavit”, diz Robinson de Castro, presidente do alvinegro cearense. “O futebol brasileiro passa por uma repaginação, e essa mudança de patamar é reflexo do que acontece fora de campo também.”
Fundado em 1914, o Ceará fará nesta temporada o seu primeiro jogo oficial fora do país, pela Sul-Americana.
Com uma equipe bem organizada pelo técnico Guto Ferreira —que comandou o time nas 38 rodadas do campeonato— e boas atuações do meio-campista Vina, a equipe encerrou o Brasileiro com a melhor campanha de sua história na elite, na 11ª posição, com 52 pontos, um a mais que o Corinthians.
Rival no estado, Marcelo Paz compartilha da opinião de Castro. “Vamos ter uma Série A, em 2021, com dez equipes que, outrora, estariam na Série B e dentro da normalidade. Isso é fruto de gestão”, falou o presidente do Fortaleza. “Há tempos diziam que os clubes do Nordeste estavam se organizando e os do
Rio de Janeiro, com dificuldades. Isso se concretizou.”
Segundo estudo do Itaú BBA, que analisa as demonstrações financeiras dos 24 clubes mais bem colocados no ranking da CBF e traça cenários para o futebol nacional, se 20% das receitas totais dos clubes em cada temporada fossem destinados ao pagamento de débitos, o Botafogo só conseguiria quitar todas as suas dívidas, de quase R$ 1 bilhão, em pelo menos 19 anos —no seu último balanço, o clube divulgou um passivo de R$ 836 milhões contabilizados antes da pandemia de Covid-19.
O Vasco levaria 13 anos para sair do vermelho, caso realocasse 20% de sua receita anual para abater dívidas.
O estudo se baseou na média de faturamento dos três últimos anos, ou seja, quando ainda estavam na elite e antes da crise do coronavírus.
Ainda de acordo com o Itaú BBA, a relação entre dívidas de curto prazo e receitas totais dos clubes também indica a condição de saúde financeira das agremiações. Índice inferior a 45% no peso dos débitos sobre o faturamento é considerado saudável.
Em outra análise, apresentada pela EY, o endividamento do Botafogo é cinco vezes superior ao seu faturamento, o do Cruzeiro chega a quatro e o do Vasco é três vezes maior do que o clube fatura.
Além da mancha histórica, o rebaixamento para a Série B tem como consequência uma redução de até 60% no orçamento. São perdas milionárias, principalmente com a venda de direitos de transmissão.
No atual contrato de televisão válido para o período de 2019 a 2024, não existe a cláusula conhecida como paraquedas, que garantia cotas de Série A aos times em seu primeiro ano na Série B.
“Antes, um time de elite jogar a segunda divisão era um período sabático, mantinha-se a cota de televisão de R$ 100 milhões e ele enfrentava adversários com cota de R$ 7 milhões”, diz Fernando Ferreira, sócio da Pluri Consultoria. “Vasco e Botafogo poderão voltar, mas terão que superar muitas dificuldades.”
Enquanto o Botafogo faturou R$ 101 milhões, e o Vasco R$ 119 milhões com cotas de TV e premiações na primeira divisão (segundo a EY, com dados referentes à temporada 2019), a dupla terá que escolher, na Série B, entre ganhar o fixo de R$ 8 milhões ou valores correspondentes à venda de jogos no pay-per-view. A segunda opção para times de massa, assim como o Cruzeiro em 2019, tem sido mais rentável.
Nesse formato, a Globo repassa 38% do valor líquido obtido com a venda de assinaturas para as equipes. O montante de cada uma é definido por meio de pesquisa com os torcedores (na hora de contratar o serviço, o assinante escolhe o seu time).
Ainda que tenham mantido um lugar na elite e o cenário seja mais positivo para os clubes nordestinos, o comprometimento de receitas em meio à crise do coronavírus deixa a temporada de 2021 entre as mais imprevisíveis dentro e fora do campo.
“O lado negativo é que temos receitas sensíveis, o nosso programa de sócio-torcedor teve uma queda de 60% considerando inadimplência, cancelamentos e os não renovados”, afirmou Marcelo Paz.
Entre os R$ 120 milhões faturados pelo Fortaleza na temporada pré-pandemia, R$ 31 milhões foram com bilheteria e o programa de sócio-torcedor, que atrai torcedores por oferecer vantagens na compra de ingressos.
Bellintani diz que o Bahia deixou de arrecadar R$ 70 milhões e prevê que o prejuízo pesará no bolso nos próximos três anos.