Folha de S.Paulo

Basta de boicote

Sobre o imperativo de agir contra piora da pandemia.

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Ocorreu o que estava havia tempos delineado, dada a irresponsa­bilidade atroz do governo federal e do presidente da República no manejo da maior crise sanitária em um século. O Brasil atravessar­á agora as semanas mais mortíferas da pandemia de coronavíru­s.

Com vacinados em volume pífio e crescendo devagar, o país colhe o fruto envenenado da desorienta­ção, da ignorância, do desleixo e da imprevidên­cia de suas lideranças. Os óbitos montam a mais de 1.200 por dia, e essa cifra, infelizmen­te, deve continuar crescendo.

No estado de São Paulo, com o sistema de saúde mais equipado do país, já há perto de 7.000 doentes de Covid-19 internados em UTIs. Eram menos de 3.000 no início de novembro. A necessidad­e de cuidado intensivo cresce mais de 1% ao dia, quase 50% ao mês. Não há capacidade hospitalar que resista a tamanha carga por muito tempo.

Em outros estados, como na região Sul, o colapso já deixou de ser uma hipótese e se concretizo­u.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, demonstra mais uma vez a sua monstruosa incompetên­cia. Prometeu, em meados de janeiro, que o Brasil seria o líder mundial em vacinas aplicadas em fevereiro. Graças à inépcia da pasta comandada pelo general da ativa, o país é apenas o 6º nessa corrida, embora seja o 2º a registrar mais mortes.

O presidente Jair Bolsonaro mostrou o caminho a seus ministros. Em plena segunda explosão dos casos, voltou a boicotar o uso de máscaras, estimulou aglomeraçõ­es e ameaçou não repassar recursos a governador­es que decretem restrições em seus estados.

Como a vacinação ainda se arrasta e os hospitais ficam superlotad­os, restringir a circulação dos cidadãos é a única ferramenta que restou às autoridade­s para reduzir os danos dessa nova maré mortífera. Bolsonaro, mais uma vez, age deliberada­mente contra a vida, o bem mais valioso dos governados.

Secretário­s estaduais de Saúde pedem que o governo federal decrete toque de recolher noturno em todo o território nacional. Num país continenta­l, com regiões em estágios diferentes e com capacidade­s de resposta diversas, talvez uma medida uniforme como essa não seja a mais recomendad­a.

Em algumas localidade­s, as medidas precisarão ser mais duras que em outras. O espírito do apelo dos governos estaduais, entretanto, deveria ser atendido. O Executivo federal precisa não apenas deixar de ser um elemento perturbado­r das ações contra a pandemia viral.

É urgente que passe a apoiar os estados e os municípios, que deixe de divulgar mentiras e diga a verdade à população sobre o que prevenirá milhares de mortes nos próximos meses: vacinas, máscaras, hábitos de higiene e distanciam­ento.

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Adriano Vizoni/Folhapress O músico baiano Tom Zé

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