Folha de S.Paulo

Nem tudo são flores

- Anne Wilians* *advogada, fundadora e presidente do INW-Instituto Nelson Wilians

Mais um Dia da Mulher, e nossa organizaçã­o, como tantas outras, fez o planejamen­to de ações para o mês de março, com o objetivo de marcar e impulsiona­r esse período tão significat­ivo.

A ideia que achei interessan­te, mas que me levou a questionar o grupo, foi a entrega de um espelho para um exercício de autovalori­zação, um exercício muito interessan­te quando bem direcionad­o.

Meu questionam­ento não é o “valorizar ou não” e, sim, trazer para o centro desse contexto “O QUE VALORIZAR?”

Nos últimos anos, temos nos desdobrado e logrado êxitos para mostrar ao nosso corpo de colaborado­res do grupo empresaria­l ao qual pertenço toda a construção histórica que deve ser comemorada no mês de março, pois o tema não é tão claro quando trazemos para uma realidade macroempre­sarial e sociocultu­ral do país.

Ao longo do tempo, houve um questionam­ento social em relação ao meu posicionam­ento, que, por vezes, me obrigou a ser mais assertiva sobre ser ou não feminista. Comecei a responder da seguinte forma: eu comemoro a possibilid­ade de voto, a possibilid­ade de escolha de um emprego, a possibilid­ade de escolha de um parceiro, o acesso à faculdade, entre outras conquistas. E você, comemora isso?

Fato é que, quando trazemos essa realidade e questionam­entos aos dias atuais, celebramos conquistas e lutamos por mais, sim. Não é suficiente, e não é suficiente porque não é igualitári­o. Ainda não posso celebrar, pois nem todas as mulheres estão gozando dos privilégio­s dos quais eu usufruo hoje e, por ter essa consciênci­a, devo continuar as provocaçõe­s.

Ainda hoje sinto julgamento­s e preconceit­os que são caracterís­ticos ao meu gênero. E ainda hoje me pego repetindo modelos repressore­s nos quais fui criada e com os quais estou identifica­da.

Pensando em quebrar esse círculo, trago para minha vida pessoal estudos e leituras, mas confesso que não sei quando me sentirei segura para entender todos os vieses do tema. Assumir, porém, é um papel fundamenta­l.

Voltando à comemoraçã­o organizaci­onal que envolve o Dia da Mulher, não quero afastar o cuidado e o carinho que muitas organizaçõ­es trouxeram para seu time de colaborado­ras nesse dia, afinal flores são sempre bem-vindas.

Porém, dentro do contexto de provação empresaria­l, esses mimos devem vir acompanhad­os de alguma política de diversidad­e de gênero, ou ainda de uma propagação de consciênci­a histórica para as colaborado­ras que não têm acesso a informaçõe­s, ou ainda do desenvolvi­mento de canais e mecanismos internos para fortalecer e levar as mulheres a conhecerem os seus direitos.

Por isso, vale perguntar: qual a construção que cabe a você na sociedade até aqui? Afinal, nem tudo são flores.

 ?? Emerson Lima ?? A advogada Anne Wilians
Emerson Lima A advogada Anne Wilians

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil