Folha de S.Paulo

Disco do BaianaSyst­em junta Carnaval e ritmo acelerado da Tanzânia

Banda conecta América Latina e África em ‘Navio Pirata’, primeiro de três atos que compõem o álbum ‘OxeAxeExu’

- Lucas Brêda

Há cerca de um ano, o navio do BaianaSyst­em atracou em Salvador. “A gente fez um Carnaval muito explosivo né? Foi o Carnaval da tampa da panela. A gente estava ‘pela boca’ em Salvador, no furdunço, questionan­do se dava ou não para a gente sair certos dias por causa da quantidade de gente”, diz o vocalista Russo Passapusso. “Depois que acabou o Carnaval, tudo lá em cima, a gente foi enclausura­do dentro de casa.”

Nos últimos cinco anos, a banda lançou dois discos elogiados —“Duas Cidades”, de 2016, e “O Futuro Não Demora”, de 2019—, com uma sonoridade que vai do dub e do hip-hop ao frevo, tudo a partir da música de Carnaval de Salvador. O grupo ficou conhecido pelos shows eufóricos e pelo trio elétrico Navio Pirata, que se tornou um dos mais concorrido­s da festa baiana e também passa por São Paulo.

Em fevereiro, o BaianaSyst­em lançou a primeira das três partes de seu novo disco, “OxeAxeExu”. O primeiro terço —os outros saem em março—, chamado de “Navio Pirata”, foi feito já no isolamento social, mas a banda ainda estava “com o corpo aquecido”.

“Shows com Gilberto Gil, Carnaval, festivais, tudo estava muito quente. A gente estava tocando e ensaiando”, diz Roberto Barreto, ícone da guitarra baiana, fundamenta­l para a sonoridade da banda.

Em comparação com os shows de BaianaSyst­em e Gil, “Navio Pirata” tem um som mais sintetizad­o e calcado na pesquisa musical. A faixa “Catraca” usa um sample de um clássico do Carnaval baiano, “Buzu”, de Tonho Matéria, cantor e compositor dos blocos afro de Salvador, conhecida na versão da Banda Fuzuê.

Já “Nauliza” aproxima Bahia e Tanzânia, com a guitarra baiana dialogando com o estilo musical singeli, que existe há cerca de 15 anos no país africano. A música tem trechos em suaíli e participaç­ões do MC Makaveli e do DJ e produtor Jay Mita, que a banda conheceu na internet junto ao agitador cultural Abbas Jazza.

Acelerada e energética, a música singeli pode bater 300 BPM e tem um estilo de dança chamado chura, em que as pessoas mexem a bunda no ritmo, apoiadas no chão ou em outras pessoas. “É uma rima muito diferente, e tem uma referência diferente da costa leste, influência árabe, outras coisas”, diz Barreto. “E é super acelerado, tem uma relação forte com o público.”

Passapusso diz que estava buscando expressões da África que não passassem por Estados Unidos ou Europa. “É um jeito de dançar que eles tremem, vibram, abrem e fecham rodas. É diferente da estrutura da roda do rock and roll, do frevo ou dos índios.”

Além do jeito de rimar dos artistas de singeli, Passapusso diz que a trilha da palavra falada, o ritmo e poesia, também guiou o grupo para o grime, rap britânico feito por imigrantes jamaicanos com desdobrame­ntos no Brasil.

A base da faixa “Monopólio” é um jungle, tipo de música eletrônica também usada no grime. “A gente tem uma referência muito grande do grime. Esses flows não são propriamen­te do rap nem dos jamaicanos, são desses jamaicanos em Londres. E eu vi que estava caindo solto nesse perfil de flow. Só que eu vinha com uma ladainha muito fincada [no canto das] lavadeiras.”

O vocalista destaca o jeito de cantar em “Reza Forte”, primeira faixa de “Navio Pirata”, com participaç­ão do rapper BNegão. No refrão, ele canta “folha de arruda, pé de coelho e sal grosso”, evocando uma espiritual­idade que desemboca numa prece da rezadeira Dona Ritinha, da Paraíba — retirada do documentár­io “O Ramo”— na faixa “Raminho”.

“Navio Pirata” ainda traz “O que me Destrói Não me Fortalece”, com participaç­ão de Céu e dois pés no dub. “Chapéu Panamá”, que encerra o primeiro ato, anuncia a partida do navio da África com direção à América. Os próximos atos são “Recital Instrument­al”, nesta sexta (5), e “América do Sol”, no dia 26 de março.

“Os nomes dão a pista, né?”, diz Barreto. “Cada ato tem uma cara. ‘Navio’ tem essa coisa do verbo, urbana. O ‘Recital’ passa pela música brasileira, entendendo o instrument­al como uma coisa ampla que inclui o canto. E o ‘América’ adentra na América Latina, algo que já tínhamos começado em ‘O Futuro Não Demora’.”

OxeAxeExu

Artistas: BaianaSyst­em. Produção: Daniel Ganjaman. Gravadora: Máquina de Louco. Nas plataforma­s digitais, a partir de 12/2 (‘Navio Pirata’), 5/3 (‘Recital Instrument­al’) e 26/3 (‘América do Sol’)

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Reprodução O vocalista do BaianaSyst­em, Russo Passapusso

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