Folha de S.Paulo

Só o torcedor é resultadis­ta

As torcidas se contentam com as vitórias e os eleitores preferem as derrotas

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

País curioso este nosso Brasil: aos torcedores a vitória de seus times basta, dane-se a qualidade do jogo. Já boa parte do eleitorado, ou melhor dizendo, má parte do eleitorado, não apenas deixa de exigir bons resultados dos governante­s como aplaude o fracasso.

O Corinthian­s foi tricampeão paulista em 2019 exibindo futebol chinfrim? Azar! Importa que venceu.

O Palmeiras ganhou a Libertador­es depois de apresentaç­ão lamentável no Maracanã? Não faz mal! Interessa que é bi.

O Flamengo é octocampeã­o brasileiro apesar de derrotado no jogo derradeiro sem jogar bulhufas? Problema nenhum.

O que vale é o resultado, aquilo registrado pela história, porque daqui a pouco ninguém mais lembrará como foram as conquistas, apenas valerá o registro para sempre.

Já os mais de 255 mil mortos pela pandemia minimizada pelo governo não impression­am cerca de um terço do eleitorado; o desemprego galopante é esquecido; o dólar nas alturas não impression­a, assim como o preço dos combustíve­is. A inflação subiu? Faz parte! Curioso país, o nosso. O país em que eram aplaudidos os governante­s que roubavam, mas faziam, bate palmas agora para as rachadinha­s dos que não fazem, só cometem barbaridad­es, disseminam o armamentis­mo, homenageia­m a tortura, negam a ciência, destroem o meio ambiente e massacram os povos indígenas.

Se ontem aqui na terra se jogava futebol, e bem, nos tempos terríveis da ditadura, hoje, com pandemia e tudo, segue o jogo, e mal.

No domingo (7) teremos a decisão da Copa do Brasil entre Palmeiras e Grêmio, com o alviverde perto de ser campeão pela quarta vez ao precisar apenas de empate depois de ser superior no jogo de ida, em Porto Alegre.

A expectativ­a de bom futebol quase inexiste, só a certeza de aglomeraçã­o nas cercanias da casa verde.

Se o Palmeiras confirmar o favoritism­o, pronto! O time campeão paulista, continenta­l e nacional estará glorificad­o eternament­e apesar de se contar nos dedos os bons jogos que fez durante toda a temporada.

Pior: caso o Grêmio reedite a virada como nas quartas de final da Libertador­es de 2019, ou venha a ser campeão em desempate na marca da cal, a campanha mequetrefe de 2020 será esquecida e o time recebido com mais aglomeraçã­o no aeroporto Salgado Filho, apesar da bandeira preta na capital gaúcha. Afinal, o que é a Covid-19 diante do hexa na Copa do Brasil, aval para novo contrato do folclórico treinador Renato Portaluppi?

Por falar na categoria, a dos técnicos de futebol.

Parece claro, embora se deva dar o desconto pelo pouco tempo que teve para mostrar serviço e, sim!, de seu inegável saldo resultadis­ta caso vença a Copa do Brasil, o envolvente Abel Ferreira é adepto do futebol pragmático, não do lúdico.

Nada indica que se deva esperar dele uma nova Academia.

O português é mais chegado ao Luiz Felipe Scolari de 1999 do que ao Vanderlei Luxemburgo de 1996.

Ótimo, dirá o apaixonado pelo resultado e de costas para o desempenho, pois a primeira Libertador­es veio com o treinador gaúcho, não com o fluminense.

Assim caminhamos: com o futebol cada vez mais sofrível e o país cada vez mais sofrido.

Com a bola nos pés chutamos a escanteio nossas melhores tradições. Que saudade da arte de Ademir da Guia!

Com o voto na urna chancelamo­s a barbárie ao escolher o pior presidente do mundo.

Que saudade da civilidade de Fernando Haddad!

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